quarta-feira, 1 de outubro de 2025

A morte de Charlie Kirk: a dúvida como legado

O mundo está passando por uma intensa polarização política, uma espécie de Guerra Fria. Cada dia o abismo entre esquerda e direita aumenta, e a população se divide cada vez mais. Mas por que a morte de Charlie Kirk em 10 de setembro de 2025 durante um grande evento na Universidade do Vale de Utah é representada como um símbolo de resistência na direita brasileira?

Por Ana Paula Soares

Para responder a questão, precisamos entender a relação entre a “Família Bolsonaro” e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Desde a candidatura de Bolsonaro como presidente do Brasil, Trump apoia o político alegando que seus ideais e formas de governo são semelhantes. Tanto que o presidente estadunidense não se constrangeu de ignorar a soberania brasileira.

A extrema-direita brasileira considera Trump um “salvador” e idolatra o governo estadunidense, logo, adorava Kirk, um jovem político com ideias extremistas: Kirk era armamentista tanto quanto supremacista branco. A morte dele impactou no nosso país mais do que deveria, porque isso não ataca aos nossos governantes diretamente. Porém a direita insiste em adorar representantes estrangeiros a entender sobre o próprio país. Assim aproximou-se a extrema direita estadunidense e a brasileira.

Os veículos de mídia alinhados à direita, como Brasil Paralelo, Gazeta do Povo, Jovem Pan e outras, fizeram uma cobertura completa da morte e suas decorrências. Nas matérias, eles destacam como ele defendia os valores cristãos, que ele era um pai carinhoso, um marido exemplar e se empenham em criar um personagem humano e sensível. O Brasil Paralelo, por exemplo, produziu um mini-documentário sobre a vida do assim chamado “ativista", que teria morrido em nome dos seus ideais e por isso merece ser lembrado como um homem de bem. Entretanto, é deixado de fora suas falas mais polêmicas e impactantes.

Charlie Kirk defendia execuções públicas e televisionadas, assim como a sua. Porém essa declaração dada em fevereiro de 2024 no programa ThoughtCrime foi deixada de fora por esses veículos de informação. É enfatizado também seu carinho por crianças e seu desejo por manter a inocência da infância, entretanto, nesse mesmo programa Kirk disse que crianças de 12 anos já tem maturidade suficiente para assistir uma execução. Além de defender que crianças vítimas de abuso sexual prossigam com a gravidez mesmo em idades em que o corpo não esteja pronto para gerar uma vida, expondo essas meninas ao risco.

Uma das estratégias do jornal Gazeta do Povo foi aproximar o atirador com pautas da esquerda, induzindo o ódio ao outro lado. Destacaram o fato de o atirador se relacionar com uma pessoa transgênero para que no imaginário popular as pessoas associam a violência com a comunidade trans, atenuando a aversão à essas pessoas e quem defende seus direitos. Ao mesmo em que afirmam que ele defendia os valores cristãos, ou seja, pessoas LGBT’s são violentas e desrespeitam a norma de Deus. A história que agrada seu público e reforçam sua bolha ideológica. A pergunta que resta é: a cobertura que falseia fatos é realizada para agradar um público que já partilha dessa visão de mundo ou a visão de mundo da cobertura produz o público consumidor?

Ao analisar as matérias e seus aspectos é possível enxergar como a notícia se molda de acordo com seu público alvo. Jornais de esquerda abordaram esse assunto de uma forma diferente, como no caso da manchete “Grande mídia trata supremacista como ‘Ativista Conservador” que foi usada pelo The Intercept, em que as ideias radicais e violentas que Charlie Kirk pregou durante sua trajetória não relembradas, para descontruir a imagem fantasiosa e pacífica que a grande mídia criou para impulsionar sua imagem de mártir.

Os dilemas éticos contemporâneos são, seguramente, mais complexos do que eram em épocas anteriores, em razão da emergência das redes sociais digitais, que descentralizam as formas de expressão. No entanto, a receita para as armadilhas ideológicas que brutalizam humanos e esgarçam os tecidos sociais parece ser a mesma desde o século 18: a necessidade de duvidar, de procurar múltiplas versões para os acontecimentos e de pensar com a própria cabeça são o único caminho para não nos tornarmos reféns de quem nos quer escravos.

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