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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

COP30: desenvolvimento ou destruição?

 A COP30 tem sido palco para a disseminação do greenwashing, bem como reflexo das contradições da política ambiental do governo Lula

Por Heloisa De Tofoli

Uma pesquisa realizada pelo Eko Moviment/Datafolha revelou que 81% da população brasileira acredita que o Governo Federal deveria adotar mais ações de combate à urgência climática do que tem feito atualmente. Mas por que essa percepção de ineficiência ainda persiste, considerando que o governo Lula 3 foi eleito sob a promessa de reconstruir a política ambiental brasileira e recolocar o país no protagonismo internacional perdido durante os anos de retrocesso?

De fato, algumas medidas foram simbólicas e relevantes, como a nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente, a redução de 32,4% no desmatamento em 2024 e a decisão de sediar a COP30 em Belém do Pará, no coração da Amazônia.

Entretanto, as contradições são evidentes: o mesmo governo que defende a sustentabilidade sanciona parcialmente o chamado “PL da Devastação”, autoriza a Petrobras a perfurar poços de petróleo na Foz do Rio Amazonas e tolera o greenwashing de grandes corporações que lucram enquanto se pintam de verde na COP30 (para entender o que é “greenwashing” leia o artigo: “Sustentabilidade ou greenwashing? As contradições por trás do discurso verde das grandes corporações.”).

A Conferência das Partes (COP) é uma convenção anual criada pela ONU em 1994, em que representantes de diversos países se reúnem para discutir e firmar acordos sobre como enfrentar a crise climática global. A trigésima edição, marcada para acontecer em novembro deste ano, em Belém do Pará, no coração da Amazônia, carrega uma forte carga simbólica.

Assim como o plano de desenvolvimento ambiental do governo brasileiro, que prevê desmatamento zero até 2030, a COP30 tem como meta limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C. Mas será que reunir milhares de bilionários e grandes corporações, interessados sobretudo em lucrar, será o suficiente para transformar essas promessas em ações concretas?

A resposta veio bem antes de a COP, de fato, começar. Belém está sendo transformada em vitrine do “desenvolvimento sustentável”, mas por trás das obras e dos discursos oficiais, o que se vê é o avanço sobre áreas protegidas, o apagamento das comunidades locais e a apropriação da pauta ambiental por quem mais lucra com a destruição.

A preparação de Belém para receber a COP30 é apresentada pelo governo como um marco de desenvolvimento e sustentabilidade. No entanto, a principal obra que simboliza esse “progresso” - a construção da Avenida Liberdade, uma rodovia de 13 quilômetros que corta áreas de floresta protegida - escancara a contradição entre discurso e prática.

A obra é parte de um pacote de mais de 60 intervenções urbanas, que o governo estadual chama de “modernização” da cidade para a COP30. Entre os projetos, estão revitalizações de praças, duplicações de vias, retirada de comerciantes de rua, criação de parques lineares e reformas em áreas históricas.

Mas para muitos moradores, o que é apresentado como “desenvolvimento” tem se traduzido em remoções forçadas, perda de renda e destruição ambiental. Pequenos comerciantes tiveram de deixar seus pontos de trabalho para dar lugar a áreas “revitalizadas” para o turismo. Moradores locais perderam áreas de cultivo e fontes de renda, como o açaí. Além disso, a falta de transparência no processo de licenciamento ambiental é denunciada. 

Essas mudanças ocorrem de forma brusca e acelerada em uma cidade que há anos luta por melhores condições de vida. O discurso do governo fala em “modernização” e “mobilidade urbana”, mas a pergunta que ecoa entre os moradores é: modernização para quem? Belém agora se torna o cartão-postal do Brasil para os estrangeiros, mas o que restará quando o evento acabar? As obras estão sendo feitas para quem vai passar uma semana na cidade, não para quem vive nela há décadas.

A palavra “modernizar” parece ter dois significados: para o poder público, é pavimentar, construir, mostrar eficiência; para quem vive nas margens da cidade, modernizar seria ter dignidade, saneamento, transporte público de qualidade e respeito à floresta e aos territórios tradicionais.

Enquanto isso, a floresta cede espaço ao asfalto, e os quilombolas, pescadores e comerciantes são empurrados para fora da paisagem que ajudaram a construir. O discurso de sustentabilidade se transforma em greenwashing estatal, em que o meio ambiente é tratado como vitrine política e não como prioridade coletiva.


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terça-feira, 4 de novembro de 2025

Sustentabilidade ou greenwashing? As contradições por trás do discurso verde das grandes corporações.

 As gigantes do petróleo e da mineração prometem transição energética em seus anúncios, mas o que de fato acontece é uma transição de imagem.

Por Heloisa De Tofoli

Petrobras, Vale e Shell - sabe o que elas têm em comum?
Além de figurarem entre as maiores corporações que atuam no Brasil e movimentarem bilhões de reais todos os anos, essas empresas compartilham uma mesma estratégia de marketing: o greenwashing.

Termos como “descarbonização”, “sustentabilidade”, “transição energética justa”, “energia totalmente limpa” e “mudança de hábitos” fazem parte do discurso dessas grandes corporações. Diante de uma publicidade, eles podem até soar bonitos e harmoniosos, mas sabe o que eles também têm em comum? São parte de uma mesma linguagem: o greenwashing.

Mas afinal,  o que significa “greenwashing”, ou melhor, “lavagem verde”?

É uma estratégia de marketing aplicada por empresas poluentes e poderosas de setores, como Agronegócio, Mineração e Energia, as quais vêm utilizando massivamente sites, redes sociais e publicidade online no Brasil para promoverem narrativas de sustentabilidade, desvinculadas de práticas reais ou verificáveis. 

Essas empresas compõem o ecossistema da desinformação socioambiental, ao tentarem mascarar os impactos ambientais negativos que elas causam, omitindo dados críticos e divulgando informações exageradas e imprecisas. 

Uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudo de Internet e Redes Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisou os anúncios divulgados no LinkedIn por empresas de setores de energia, mineração e agronegócio, áreas cujos modelos produtivos são intensivos em recursos como terra, água e energia, e geram alto impacto ambiental.

Dos 2.800 anúncios analisados, 1.476 (52,7%) apresentavam indícios de greenwashing, publicados por 389 empresas (42,5%). Entre as dez companhias que mais veicularam anúncios com indícios de greenwashing, três pertencem ao setor fóssil - Petrobras, Shell e Acelen - além da Vale, na mineração, e das empresas de gás natural Comgás e Compass.

Quem nunca ouviu, nas propagandas da Petrobras, o termo “transição energética justa”?
Em um dos comerciais, Diogo Nogueira canta: “Justa, nosso presente é uma energia justa”, enquanto Camila Pitanga, vestida de verde e sorridente, afirma que a Petrobras fornece “energia justa”. Na prática, porém, a realidade é bem diferente: a empresa segue lucrando com o aumento da produção de óleo e gás, sem interromper a exploração de combustíveis fósseis  e com investimentos ainda muito baixos em energias renováveis.

O que eles chamam de “transição” é, na verdade, uma falácia de marketing. Trata-se apenas da adição de novas fontes de energia, sem a substituição das antigas. Se houvesse um compromisso real com uma transição energética verdadeiramente “justa”, seria mesmo necessário perfurar a Foz do Rio Amazonas, uma das áreas mais sensíveis do planeta?

A justificativa oficial é sempre a mesma: “desenvolvimento” e “empregabilidade”. No entanto, a própria exploração ameaça o maior conjunto de manguezais do mundo, corais únicos e diversos ecossistemas costeiros, além de trazer alto risco de vazamentos. E a geração de empregos seria mão-de-obra especializada.

O mesmo ocorre com os anúncios publicados pela Shell. A empresa possui dois perfis no LinkedIn: um focado na sua atividade principal de exploração de petróleo e outro voltado para energias renováveis, chamado Shell Energy, que modela sua imagem a favor  da transição energética. Porém, a petrolífera destinou apenas 1% dos seus investimentos para isso entre 2010 e 2018, além de não ter planos para reduzir a exploração de petróleo e gás até 2030 (ClientEarth, 2021).

Por fim, há a Vale, que ocupa a terceira posição no ranking das empresas que mais praticam greenwashing. Seus anúncios frequentemente trazem o CEO Gustavo Pimenta como porta-voz de uma suposta “mineração sustentável”, reforçando um dicurso de compromisso com a “transição energética”, o que soa contraditório diante de seu histórico de crimes ambientais. Entre os mais graves, está o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em 2019, que resultou em 272 mortes e danos irreversíveis ao meio ambiente.

 A Vale já foi processada pelo Ministério Público Federal por contaminação de comunidades indígenas e suas dívidas com a União e o estado do Pará ultrapassam R$ 44 bilhões, ainda assim, aposta em ações de marketing para reconstruir sua imagem.

Com a COP30 batendo à porta, o grande espetáculo ambiental e midiático está prestes a começar e a Vale já se posiciona como uma de suas patrocinadoras oficiais. Recentemente, promoveu o Festival Amazônia Para Sempre, em Belém, com um line-up de estrelas como Fafá de Belém, Ivete Sangalo e Mariah Carey, sob o discurso de “proteção da floresta Amazônica e dos povos que nela habitam”.

Entretanto, por trás da estética verde e dos holofotes, há uma contradição gritante: a mesma empresa que destrói ecossistemas tenta agora vender uma imagem de guardiã da floresta.

Se o LinkedIn, as redes sociais e as propagandas em rede nacional já servem como palco para a disseminação do greenwashing, a COP30 será um exuberante palanque,  onde empresas poluidoras se apresentam como defensoras do planeta, escondendo, sob o manto verde da sustentabilidade, os mesmos interesses que alimentam a crise ambiental.

Para ler o estudo feito pela NetLab, acesse o site da Agência Pública:
https://apublica.org/podcast/2025/10/bom-dia-fim-do-mundo/greenwashing-quem-deve-mais-paga-menos/

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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

PEC da Blindagem: como as redes sociais transformam o debate político em mobilização popular

 As manifestações contra a  PEC da Blindagem mostraram como as redes sociais deixaram de ser apenas espaço de opinião para se tornarem instrumentos de pressão política, mobilização popular e pedagógica prática democrática

Por Heloisa Benicio


As redes sociais deixaram de ser apenas espaços de interação para se consolidarem como arenas centrais do debate político e social. O poder da mídia digital se mostra cada vez mais evidente ao amplificar opiniões, moldar narrativas e mobilizar cidadãos. Postagens, vídeos e hashtags transformam-se em instrumentos de pressão sobre parlamentares, decisões institucionais e a própria opinião pública. O embate em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) autodenominada das Prerrogativas - mas que ganhou apelidos sugestivos: PEC da Blindagem e por fim PEC da Bandidagem - é um exemplo claro desse processo.


Aprovada pela Câmara dos Deputados em 16 de setembro de 2025, a proposta alterava as regras para abertura de processos criminais e prisões contra parlamentares. O texto-base tinha como objetivo alterar as regras e dificultar prisões em flagrante, prevendo que a continuidade de ações judiciais contra deputados e senadores fosse decidida pelo próprio Congresso, em votação secreta. Desde a votação, a medida provocou forte reação social e expôs o poder das redes como espaço de resistência política.


Enquanto veículos de imprensa se concentraram em análises jurídicas e na repercussão institucional, nas plataformas digitais o debate ganhou contornos mais populares. Expressões como “PEC da Bandidagem” rapidamente se tornaram trending topics, traduzindo em linguagem simples o sentimento de repúdio. A rejeição viralizou em campanhas digitais criadas por influenciadores e celebridades, que buscaram explicar de forma didática os impactos da proposta. 


Mesmo com a polarização política intensa que observamos ao longo dos últimos anos, as mobilizações sobre a PEC traçaram um caminho alternativo.. Mais que uma disputa entre direita e esquerda, o movimento atingiu uma camada ampla e apartidária e se configurou em uma luta nacional contra um “Congresso Inimigo do Povo”, um apelo em nome da democracia. 


O papel dos influenciadores foi central nesse movimento. Utilizando ferramentas como vídeos curtos no Instagram e no TikTok, eles simplificaram o conteúdo jurídico, ampliaram o alcance das informações e estimularam a participação popular. O fenômeno chamou atenção por não se restringir a vozes já engajadas em debates políticos: figuras públicas que tradicionalmente se mantinham afastadas da política usaram suas plataformas para se posicionar contra a medida, reforçando a ideia de que a vigilância democrática é um dever. 


As mobilizações dessas figuras públicas ultrapassaram o espaço virtual. Artistas consagrados como Djavan, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque participaram de manifestações presenciais, reforçando a legitimidade do movimento e evocando a memória histórica da resistência cultural durante a ditadura militar. A volta dessas figuras à linha de frente dos protestos deu ao movimento um peso simbólico adicional, unindo gerações em torno da defesa da democracia.


Esse episódio revela que a mídia contemporânea já não atua apenas como mediadora, mas também como protagonista. As redes sociais se consolidaram como canais estratégicos de informação, sensibilização e mobilização política. Nesse ambiente, cidadãos não são mais espectadores passivos, são atores capazes de questionar, interpretar e pressionar diretamente o sistema político. O que nasce em posts, vídeos e hashtags pode, em poucos dias, se transformar em força política real, capaz de influenciar votações no Congresso e expor a fragilidade de projetos que não encontram respaldo popular.


O desafio diante desse cenário é bastante complexo. Primeiramente, a força das mobilizações a que assistimos indica que a sociedade civil está atenta aos movimentos da política institucional. Mais do que a “tradução” para linguagem acessível, das massas, de temas complexos e de difícil compreensão, o maior desafio é encontrar uma pauta que “fure bolhas” e encontre ressonância ampla em diversos segmentos sociais. 


O outro desafio talvez tenha como resposta o primeiro deles: como evitar que os interesses das corporações estrangeiras privadas (as big tech) utilizem a manipulação de seus algoritmos para colonizar e tomar de assalto a agenda e o debate públicos? Apenas uma mobilização social ainda maior do que aquela que se viu na PEC da Blindagem poderá ser capaz de forçar a política institucional a proteger a democracia do poder das empresas que não se furtam a canalizar os princípios da democracia para seus próprios interesses.


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quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?

 O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? 

Por Laís Abreu 

No mundo contemporâneo, a presença das redes sociais na rotina das pessoas se tornou algo tão comum que aqueles que arriscam a ausência nas plataformas digitais criam uma impressão de desatualização ou até mesmo falta de conectividade com o restante do mundo.

Os celulares facilitaram bastante isso: entre uma tarefa e outra, acontece uma checagem no Instagram, outra no WhatsApp e uma lida no Twitter, ou melhor dizendo X. Até que no dia 30 de agosto, milhões de usuários da famosa plataforma do passarinho se viram diante de seu bloqueio. Para muitos fãs da rede foi uma atitude antidemocrática, mas o que muitos precisavam enxergar é que, de fato, a vida continua sem as plataformas digitais.

Embora a rotina de todos os brasileiros estivesse sendo a mesma, as reclamações e abstinência tomaram conta das demais redes sociais e muitos garantiam que lutavam pela “liberdade de expressão”. Um estudo da Orbit analisou 500 conversas no TikTok sobre a suspensão do X no Brasil e considerando os usuários que já haviam se decidido sobre a migração para uma outra plataforma, 78% disseram que o BlueSky seria o substituto do X. Em seguida, o Threads aparecia com 14% dos comentários.

No entanto, diante de toda essa “ausência de liberdade de expressão”, os internautas ignoram a verdadeira influência e poder que tomam conta das redes sociais. Adorno foi um dos primeiros pensadores a realizar análises mais sistemáticas sobre o tema e descreveu que os meios de comunicação em larga escala moldam e direcionam as opiniões de seus receptores. É como se fosse uma pirâmide, em cuja base estão todos os usuários envolvidos em likes, retweets, compartilhamentos, publicações, trends topics e hashtags. Enquanto no topo dela, estão as grandes marcas e influencers, que ditam as tendências, impõem os padrões e moldam as narrativas.  

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.
O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.

O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

Em um cenário em que nossa última imagem antes de dormir é uma tela e a primeira ao acordar é uma tela, a reflexão que fica é: precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?
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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Jogando no tabuleiro do mercado: concessões, plataformas e o poder dos players

 Por Letícia Paolinelli

A transformação no modo de produzir conteúdo e as concessões de TV no Brasil refletem uma mudança profunda na comunicação e no trabalho de produtores de conteúdo, jornalistas e comunicadores, marcada pela digitalização e pela entrada de novos players no mercado. Desde a tradicional estrutura de concessões de canais televisivos até a ascensão das plataformas de internet, as mudanças tecnológicas e sociais configuraram um novo panorama midiático, que impacta diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

O cenário midiático se assemelha a um grande jogo, onde as regras não são claras para todos os participantes, mas quem detém o poder das plataformas controla a partida. Essas novas peças no tabuleiro mudaram o rumo da comunicação, impactando diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

Novo jogo ou novos jogadores?

As concessões de TV no Brasil são um tema que voltou a ganhar relevância, especialmente após recentes discussões sobre a renovação de contratos, como o caso de Silvio Santos e o SBT. Tradicionalmente, as concessões de radiodifusão garantiram a grandes emissoras, como Globo, SBT e Record, o controle quase exclusivo sobre o que era transmitido aos brasileiros. A comunicação em massa seguia uma lógica hierárquica, onde poucos controlavam a produção de conteúdo, e a audiência se limitava a um papel passivo. No entanto, o cenário mudou drasticamente com a chegada da internet e de novas plataformas, empresas como: LiveMode, CazéTV, YouTube, Meta, Twitch ect. Essas empresas, que não estão sujeitas às mesmas regras das concessões de TV, surgiram com um modelo descentralizado, aparentemente mais democrático. No entanto, essa transformação não veio sem suas armadilhas: são monopólios globais, que estão associados a monopólios nacionais e em sequência regionais, os novos participantes ainda são gigantes globais que controlam as regras, a infraestrutura e as decisões estratégicas do mercado.

A ascensão da internet como um meio predominante de comunicação criou a ilusão de que a produção de conteúdo foi democratizada. De fato, a internet facilitou o acesso ao mercado de criação, permitindo que qualquer pessoa com um celular pudesse produzir e compartilhar vídeos, textos e imagens para uma audiência global. No entanto, a realidade é bem mais complexa. Por trás da promessa de democratização, estão grandes corporações que controlam a infraestrutura e ditam as regras do jogo.

Isso não só afeta os criadores de conteúdo, mas também jornalistas e comunicadores que migram para plataformas digitais, sem a segurança trabalhista das tradicionais redações. As plataformas digitais, ao contrário das emissoras de TV, operam de forma quase totalmente desregulamentada, o que torna essencial a criação de leis específicas para garantir os direitos desses trabalhadores, o que, em geral, é impedido pelo forte lobby das big tech.

Neste sentido, as propostas legislativas como o PL 2630/2020 e o PL 2370/2019 se tornam urgentes e fundamentais. O Projeto de Lei 2630, conhecido como "PL das Fake News", visa a regulamentar as plataformas digitais, buscando responsabilizá-las pela disseminação de informações falsas e proteger o ambiente de comunicação online. Já o PL 2370 aborda diretamente a questão dos direitos trabalhistas dos criadores de conteúdo, propondo medidas que regularizem as condições de trabalho para esses profissionais que operam em plataformas como YouTube, Twitch, e redes sociais. Esses projetos de lei não são apenas passos na direção da proteção da democracia e da integridade da informação, mas também na defesa dos direitos dos profissionais que constroem a nova face da comunicação digital. É preciso sentar à mesa e discutir com os grandes players desse jogo.

Os espectadores também são players


Entretanto, o impacto dessas plataformas não se restringe apenas ao campo econômico ou trabalhista. A internet alterou profundamente a maneira como a audiência interage com o conteúdo. Se antes a televisão impunha uma programação fixa e inalterável, agora o espectador escolhe o que quer assistir e, muitas vezes, se transforma em produtor de conteúdo. Essa mudança de paradigma parece, à primeira vista, empoderadora. Mas o que estamos realmente testemunhando é a intensificação de um modelo de produção contínua, onde a audiência se torna uma métrica algorítmica, e os criadores são forçados a produzir incessantemente para manter a relevância. Seria esse um Tempos Modernos de Charles Chaplin dos tempos que vivemos?

A promessa de que a internet traria uma produção de conteúdo mais democrática e inclusiva é, em grande parte, uma falácia. O controle da informação está cada vez mais concentrado nas mãos de grandes corporações globais, que ditam as regras de monetização, visibilidade e conteúdo permitido. Mesmo a representatividade, um dos aspectos mais exaltados da internet, é limitada por algoritmos que favorecem o que é comercialmente viável, e não necessariamente o que é relevante socialmente.

De qual lado do tabuleiro está cada jogador?


A televisão continua a ser um espaço de poder considerável. A Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo, é um exemplo claro de como a televisão se adaptou às novas demandas do público. No entanto, mesmo com a expansão digital, o grupo ainda mantém uma forte presença na radiodifusão tradicional, o que demonstra como as antigas e novas formas de comunicação coexistem e, muitas vezes, reforçam os mesmos monopólios de poder.

A questão central é: quem realmente se beneficia dessas mudanças? Apesar de uma maior pluralidade de vozes ter encontrado espaço na internet, a comunicação de massa ainda segue dominada por gigantes globais e nacionais. O acesso ao público, a monetização e o controle da narrativa continuam concentrados. Como apontado por Muniz Sodré, em sua coluna na Folha de S.Paulo de 29/09, plataformas como o Twitter/X e YouTube são, no fundo, mecanismos comerciais que se disfarçam de espaços de livre expressão. Elas não promovem, de fato, um debate democrático, pelo contrário, fragmentam a sociedade em bolhas de informação desconexa, reforçando polarizações e dificultando um diálogo real.

Portanto, enquanto seguimos usando esses espaços digitais para tentar ampliar a representatividade e a discussão de temas antes marginalizados, é essencial manter uma postura crítica. A produção de conteúdo na internet, ao contrário do que muitos acreditam, não é uma forma de liberdade plena, mas sim um reflexo das condições econômicas e sociais impostas. A comunicação mudou, e nós fazemos parte dessa mudança - mas é preciso garantir que essa transformação caminhe rumo a um modelo mais justo e democrático, tanto no ambiente digital quanto na mídia tradicional.



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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Elon Musk, liberdade de expressão e manipulação

 A decisão do magnata de fechar o escritório da rede social X no Brasil visa evitar cumprimento de ordens judiciais, potencializando riscos de desinformação e interferência nas eleições

Por: Maria Eduarda Bianchi Umebara


No dia 17 de agosto, a rede social X anunciou a saída de seu escritório do Brasil por meio de uma nota publicada na própria plataforma. No comunicado, a empresa afirmou que decisão foi tomada devido a ameaças do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes ,que teria advertido sobre a possível prisão de um funcionário, o representante legal da rede no país, caso não fossem cumpridas as "ordens de censura". Para proteger a segurança de sua equipe, alegou a nota, a rede social optou por encerrar suas operações no país. No entanto, a plataforma continua disponível para uso dos brasileiros.

A tensão entre o ministro e Elon Musk, dono da rede social, vem crescendo desde abril deste ano, após decisões judiciais que visavam bloquear contas populares do Brasil que disseminam fake news e atacam as instituições brasileiras. Musk acusou Moraes de censura, levando o ministro a incluir o empresário no inquérito das milícias digitais e abrir uma investigação por possíveis crimes como obstrução à Justiça. Além disso, Moraes impôs uma multa diária de 100 mil reais para cada perfil reativado em descumprimento da ordem judicial. Musk reagiu com críticas severas, chamando Moraes de "ditador brutal".

No dia 8 de agosto, o ministro havia determinado o bloqueio de 7 perfis, incluindo o do senador Marcos do Val (Podemos - ES). Entretanto, o X não cumpriu com a decisão judicial. Com isso, segundo os documentos compartilhados pela rede social, Moraes determinou, na sexta-feira (16), uma intimação dos advogados da plataforma no Brasil, buscando que tomem providências necessárias e cumpram, no prazo de 24 horas, o bloqueio das contas desses usuários.

O fechamento do escritório da empresa no Brasil pode complicar a aplicação da legislação brasileira à plataforma. No entanto, segundo o especialista em direito digital Marcelo Crespo, mesmo sem um escritório físico no país, a empresa ainda está legalmente obrigada a cumprir as leis nacionais. A dificuldade é que as ordens judiciais precisarão ser enviadas à sede internacional da empresa, o que pode atrasar ou dificultar seu cumprimento.

Crespo aponta que a decisão de Elon Musk parece ser “estratégica”, uma vez que o empresário não tem interesse em seguir a legislação brasileira.

Embora o X desempenhe um papel crucial na promoção de debates entre pessoas de diferentes regiões, a falta de mecanismos eficazes para aplicar a lei pode resultar em graves consequências para o país. Muitos perfis continuarão a disseminar fake news, especialmente durante períodos eleitorais, interferindo diretamente no processo democrático e criando um cenário em que a desinformação pode se espalhar sem controle, influenciando a percepção pública e comprometendo a integridade das eleições, com narrativas deliberadamente falseadas para moldar opiniões e decisões de voto.

Se, sim, esse um debate antigo e é válido o argumento de que falseamento de narrativas, boatos, mentiras e manipulações fazem parte da vida social e da própria democracia, é preciso não perder de vista o alcance e poder das mídias sociais - e consequentemente de seus proprietários - nesse processo. O regramento e a responsabilização portanto devem levar em conta essas características.

A decisão de Elon Musk, o magnata dono da gigante dos veículos elétricos Tesla, que já disse que buscaria fontes de lítio onde quer que fosse, mesmo que para isso fosse necessário derrubar governos democraticamente eleitos, coloca em evidência que sua preocupação pode não ser exatamente a defesa da liberdade de expressão.

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terça-feira, 7 de novembro de 2023

O apagamento das dores sociais: quando o espetáculo ofusca as necessidades reais

 Por Maria Eduarda Salgado 

Na era da informação instantânea e da torrente incessante de notícias, uma preocupação surge com mais clareza do que nunca: a influência da mídia na formação da percepção pública. Recentemente, um contraste marcante entre dois casos ilustrou como a mídia pode direcionar a atenção do público para narrativas menos significativas em detrimento de questões sociais que poderiam ser julgadas como de maior urgência.

Em um lado dessa dicotomia, tivemos o término do relacionamento de curta duração (um mês) entre a cantora Luísa Sonza e o influenciador Chico Moedas. Embora relacionamentos pessoais sejam, sem dúvida, dignos de respeito, o circo midiático formado em cima deste episódio, em comparação com assuntos mais prementes, chama bastante a atenção. A dramatização exagerada de tal evento na mídia desviou a atenção de grande parte do público de quaisquer pautas sociais relevantes que ocorriam em paralelo.

Como um exemplo trágico, na mesma época, ocorreu a morte prematura e chocante de Maria Clara, a indígena de 15 anos, vítima de estupro e afogamento em uma área de pântano no município de Oiapoque, na região de fronteira no norte do Amapá. A vítima era do povo karipuna e vivia na aldeia do Manga. Esse evento trágico coincidiu com a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, momento crucial de mobilização para destacar a violência enfrentada pelos povos originários, principalmente as mulheres. No entanto, a mídia parecia mais interessada em abordar o drama de um relacionamento entre subcelebridades do que em ampliar a conscientização sobre a luta dos povos indígenas.

Essa disparidade na cobertura midiática demonstra como a privatização do espaço público e a busca incessante por audiência podem prejudicar e empacar a discussão e o debate acerca das questões sociais importantes e de interesse público. Quando as histórias pessoais de figuras caricatas são priorizadas em relação a eventos reais e significativos, a sociedade perde a oportunidade de porfiar pautas cruciais, como a violência de gênero e a insegurança dos povos indígenas.

O verdadeiro desafio agora é repensar o papel da mídia na sociedade e buscar maneiras de superar a priorização inadequada de narrativas menos significativas. A sociedade deve participar de um debate coletivo sobre o que merece destaque e como podemos garantir que questões importantes não sejam negligenciadas em prol do entretenimento vazio.

Embora as soluções possam não ser evidentes em um contexto marcado pelo sensacionalismo midiático embebido do capitalismo tardio, é fundamental começar esse diálogo. Somente através de uma análise crítica do estado atual da mídia e do esforço coletivo para redefinir nossas prioridades informativas, podemos esperar que assuntos relevantes não sejam mais ofuscados por entretenimento superficial.

Esta é uma chamada à reflexão sobre a influência da mídia na percepção pública e um apelo para que a sociedade reafirme seu compromisso com questões que realmente importam, especialmente em momentos cruciais, como a Marcha das Mulheres Indígenas, quando a voz das vítimas de violência deve ser ouvida, respeitada e ampliada.
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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Narciso acha feio o que não é espelho

A miséria do jornalismo brasileiro em dois atos

Por Gilson Raslan Filho

Princípio básico do código de ética, de conduta e do exercício técnico e profissional dos jornalistas, a realidade, os fatos reais, o que de fato aconteceu é imprescindível para repórteres e editores, colunistas e articulistas.

É bem verdade que os dois últimos têm, sobre os dois primeiros, o privilégio de ter sua opinião sobre os fatos como um valor de composição. Mas ainda assim, lá estão eles: os fatos! Isso quer dizer que, a despeito do que eu ache deles (e os consumidores terão a possibilidade de discordar de minhas análises e opiniões), meu ponto de vista não pode prescindir da tarefa magistral e elementar de todo e qualquer jornalista: esclarecer sobre os fatos reais.


Eis que o jornalismo brasileiro fez surgir um novo espécime: o colunista analista sem compromisso com os fatos. Pior: colunistas tão apartados da realidade, que enxergam a sua própria visão do mundo, não o próprio mundo. E mais: acreditam que essa visão é a realidade.

A bem da verdade, é preciso dizer que esse não é um fenômeno novo – mas ele tem se tornado especialmente virulento em tempos de redes sociais e aprofundamento da crise da empresa jornalística fundada no século 20. Tampouco podemos generalizar: há bons jornalistas, que cuidam para que os fatos estejam sempre no centro da cena – não a opinião que analistas, colunistas e articulistas emitem.

Dois casos, todavia, merecem destaque e apontam para uma real falência do jornalismo feito a partir da lógica empresarial burguesa, montada no século 19 e consolidada no século 20. Ambos ocorrem quase no mesmo instante, no mesmo programa, “Em Pauta”, do Canal Globo News, e envolve os jornalistas Guga Chacra, comentarista de geopolítica internacional do canal; e Jorge Pontual, velho comentarista de generalidades, radicado em Nova Iorque.

Uma imagem contendo Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente
Ambos tratavam do mesmo fato: o discurso do Presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, em seu retorno à abertura da Assembleia Geral da ONU, em 19 de setembro. Havia um clima de verdadeiro entusiasmo com o discurso que Lula acabara de pronunciar – pelas circunstâncias: o discurso marcava o fim do pesadelo de quatro anos de Bolsonaro; e pelo impacto do discurso mesmo, muito aplaudido e elogiado por inúmeros políticos, empresários e jornalistas ao redor do mundo.

Jornalistas, no entanto, precisam manter uma postura crítica, enxergar além das paixões, relativizar o consenso. Em dois atos, Chacra e Pontual, no esforço por fazer jornalismo crítico, só reforçaram que aquele jornalismo em que militam já morreu. Só eles não sabem.

Ato 1: O absoluto sou eu

Guga Chacra criticou, na fala de Lula sobre ameaças à democracia na Guatemala, a ausência de crítica a regimes “ditatoriais” da China e da Rússia. Assim, de maneira generalista. Mas o que chama a atenção mesmo é a intencionalidade da análise do jornalista: tomar a democracia europeia e estadunidense como planos acabados da experiência democrática. Se Lula tinha a obrigação de denunciar todas as ameaças à democracia, também não deveria fazer em relação aos EUA, à França, à Alemanha etc etc?
 
Assista a um corte do programa:


 
 
Eis o fato: a democracia é ameaçada continuamente – por restrições políticas ou econômicas – em todos os locais. Eis a realidade vista por Guga Chacra: democracia é o que o ocidente entende por democracia.

Ato 2: O mundo para mim

O caso da análise de Jorge Pontual é ainda mais grave de tão simplória, quase grosseira. Para o jornalista, o sucesso do discurso de Lula se dava porque foram usadas palavras-chave de fácil compreensão para... jornalistas. Em outras palavras: para Pontual, o impacto do discurso do presidente brasileiro se deu por ter sido “manchetável”.

Assista a um corte do programa: 
 
 
 
A análise do jornalista beira o primário, porque não se dá conta que a esfera pública já não se limita à mediação do próprio jornalismo e que, por óbvio, a realidade não se realiza a partir do tecido jornalístico. Mas há um fato incontornável aí: analistas como Jorge Pontual nos dão a certeza de que não é desse tipo de analistas, comentaristas, colunistas que o mundo precisa.
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segunda-feira, 2 de outubro de 2023

A vida privada como produto

Por Matheus Antônio Vieira

Caso da separação entre Luísa Sonza e Chico Moedas revela como a midiatização da vida pessoal é uma estratégia construída com auxílio de páginas de fofoca

No último dia 20, a cantora Luisa Sonza (25) anunciou o término de seu namoro com Chico Moedas, durante sua participação no programa Mais Você da Rede Globo. Ao lado de Ana Maria Braga, a cantora leu um texto que escreveu após o fim do relacionamento, destacando uma traição sofrida pelo ex-namorado.
A cantora foi convidada ao programa para falar sobre a repercussão do seu álbum “Escândalo Íntimo”, lançado no dia 29 de agosto. Durante a exibição ao vivo, a cantora decidiu expor a traição de Chico Moedas. Os fãs esperavam ver a cantora falar sobre seu mais novo álbum, “Escândalo Íntimo” , que inclui a faixa “Chico”, composta por Sonza para seu então namorado.


Luísa Sonza no programa Mais Você. Foto: Globo.

Apesar da entrevista não ter resultado no aumento audiência do programa naquele dia, marcando 7,5 pontos no Ibope, o assunto viralizou nas redes sociais, se tornando Assunto do Momento no X (Twitter), e sendo divulgado amplamente nos perfis de fofocas no Instagram, o que abordaremos mais à frente. A música “Chico”, presente no novo álbum de Sonza, subiu 5 posições na plataforma Spotify, se tornando a 4º música mais ouvida do país no dia 21 setembro, com mais de 1 milhão de ouvintes diários.

Durante a leitura da carta Ana Maria Braga chegou a chorar com as palavras da cantora:

“Como se a traição já não bastasse, nos colocam como loucas, dão risada da nossa intuição, literalmente falam que a realidade é um detalhe pra você, invalidando tudo o que a gente pensa, acredita, vê, tudo o que é real.”

A vida pessoal como estratégia para a música

A vida pessoal de Luisa Sonza sempre foi assunto midiático, desde que ela se tornou conhecida pelo público. Em 2020, Luisa Souza se separou do comediante e influencer digital Whindersson Nunes, com quem foi casada por 2 anos. A separação foi muito comentada na internet, principalmente em razão da popularidade de Nunes na época. Entre 2020 e 2021 a cantora também namorou “Vitão”, com quem havia lançado a faixa “Flores”, também em 2020.

A midiatização da vida privada da cantora tem se apresentado como muito vantajosa. Estima-se que, depois da revelação do término com Chico Moedas, a cantora teria ganhado mais meio milhão de seguidores, informa o G1, totalizando 31,5 milhões de seguidores somente no Instagram. Houve também o aumento significativo do número de ouvintes da cantora na faixa.

Nas redes sociais, alguns internautas questionaram se a atitude de Luísa Sonza era uma “estratégia de marketing”. Em resposta aos comentários, ela ironizou no Instagram: “Claro gente eu fui corna de propósito faz todo o sentido parabéns”.

Comentário feito pela cantora no Instagram, no dia 21 de setembro. Foto: Reprodução Instagram.

O que levou Sonza à declaração pode não ter sido planejado. Mas há um planejamento em como comunicar. Não se tratava apenas de um comentário em resposta à pergunta de Ana Maria Braga. A cantora pediu o espaço para ler uma carta, escrita previamente para aquele momento. Ela se posiciona estrategicamente, criando uma narrativa sobre a traição, e desta forma, aproveita da exposição para liderar como o assunto será abordado. Para lidar com tais assuntos serão abordados, Sonza conta com uma das maiores empresas de marketing digital do país, a Music2/Mynd8.

A empresa que gerencia Luiza Sonza

Por trás da cantora Luisa Sonza está a empresa Music2/Mynd8. O grupo de empresas tem como fundadora Fátima Pissara, empresária da cantora, e especialista em marketing de influência, atualmente também CEO do portal Billboard Brasil. A empresa é responsável pelo gerenciamento de um longa lista de cantores e influencers no país, entre eles Luisa Sonza. A empresa também é responsável por uma “banca digital”, uma lista de perfis de perfis com fofocas e memes de celebridades.

As páginas de fofoca são centrais para garantir a exposição necessária para Luisa Sonza, e os outros influencers gerenciados pela Music2/Mynd8. Essas páginas comumente não possuem linhas editoriais, nem compromisso com a ética jornalística, o que não permite o público estabelecer com elas uma relação de transparência com aquilo que é informado. Dessa forma, as páginas podem escolher falar sobre determinado assunto de acordo com a demanda da Music2/Mynd8, sem sequer ser informado sobre a possibilidade de conflito de interesses. Cabendo a audiência realizar o processo crítico sobre o conteúdo consumido.

Listagem de perfis gerenciados pela Music2/Mynd8. Foto: Music2/Mynd8.

São 34 (trinta e quatro) perfis gerenciados pela Music2/Mynd8, a maioria acumulam entre 1 milhão a 20 milhões de seguidores. Com exceção dos perfis “modaparameninas”, “instacinefilos”, “omusojoao”, “perregue_chique”, “sincerooficial”, “soldadoferido”, todos outros perfis gerenciados pela empresa são sobre a vida das celebridades. Sendo que 28 dos 34 perfis fizeram ao menos uma publicação sobre o término de Luísa Sonza e Chico Moedas, seja replicando as reações de usuários, os comentários na mídia e as reações de outros influencers.

As polêmicas que esses influencers se envolvem incentivam as pessoas a procurarem mais informações, inclusive em suas redes sociais. O processo de engajamento em polêmicas pode parecer contraditório, uma vez que uma polêmica poderia acarretar na difamação, ou “cancelamento”, da figura pública. Entretanto, dominando parcialmente como a informação circula, a Music2/Mynd8 pode garantir que seus agenciados sejam retratados de acordo com seus interesses.

Durante a produção deste texto, a BBC publicou o artigo “Luísa Sonza e Chico Moedas: como desabafos públicos de celebridades podem ser um bom negócio” no qual abordou sobre a possível estratégia de marketing. O portal entrou em contato com Fátima Pissara, empresária de Sonza, que negou os comentários reproduzidos na internet: “É tão ofensivo achar que uma menina de 25 anos vai ter uma estratégia de marketing por trás de uma traição de um namorado para o qual ela fez uma música em homenagem”, afirmou em tom de desabafo Pissara a BBC.

Apesar do artigo destrinchar o aumento da popularidade de Sonza no Instagram e o aumento dos ouvintes da faixa “Chico”, a BBC não destrinchou sobre a relação da empresa Music2/Mynd8 com os portais de fofoca no Instagram.

Sonza havia sido processada em 2020 pela advogada Isabel Macedo, após a cantora pedir um copo de água para a mulher negra, confundindo-a como garçonete, em Fernando de Noronha.

Na terça-feira o assunto voltou a circular após o UOL publicar com exclusividade sobre o arquivamento do caso devido um acordo entre as partes. Na manhã (20) antes do programa, Isabela Macedo postou no Instagram: “O que eu pensava já ter ficado para trás, visto que o processo já estava arquivado, veio à tona. E mais uma vez me trouxe as dores, as quais estou tratando ainda.” O caso de racismo perdeu espaço midiático em meio a grande cobertura que foi realizada sobre o término.

Transparência e leitura crítica das mídias

O caso da Luisa Sonza revela o uso do poder da mídia na criação de demandas e audiência sobre determinados assuntos. Destaca que as particularidades da vida privada é um elemento utilizado pelas celebridades ou influencers, para garantir o engajamento do público.

Essa estratégia tem sido chamada por profissionais da área como marketing de influência e é uma variação da teoria fundada por Iwan Setiawan e Philip Kotler, do marketing humanizado, referências no campo de tendências de consumo e marketing. As imagens abordadas pelos artistas e influencers se tornam mais humanizadas, na medida que sofrem de problemas como o nossos, criando determinada conexão com o público. E mesmo a considerável parcela que não tomará o lado da cantora, continuará engajado na tentativa de combater a sua imagem.

A humanização da imagem do artista também pode fazer com que eles pareçam transparentes, mas por trás dessa humanização há um processo de escolhas e de muito dinheiro. Contraditoriamente, apesar de muito compartilhar sobre sua vida pessoal, Sonza tem evitado falar com o público sobre o racismo.

O caso de Sonza não se trata necessariamente de forjamento (ou invenções) da sua traição. Mas o declarado aproveitamento das situações pessoais como meio de garantir a propagação de suas imagens, e tendo como fim, o aumento do alcance e o retorno financeiro. Uma estratégia que ampliou seu público das páginas de fofoca gerenciadas pela Music2/Mynd8, para a televisão aberta. Ainda, esse poder midiático, pode garantir quais e como os assuntos serão abordados, ocasionando o apagamento de outras pautas.

Por se tratar de uma indústria, neste caso, a indústria da música, para que ocorra essa midiatização do artista, é necessário investimento monetário. E os valores normalmente não são publicizados. Em maio deste ano, Sonza teria assinado com a Sony Music, gravadora multinacional, em um contrato estimado de 100 milhões de dólares, de acordo com o colunista Leo Dias no Metropolés, mas a informação não foi confirmada.

As páginas de fofoca são responsáveis por ampliar a midiatização da vida privada desses artistas, e que quando controlados por uma empresa que possui interesses conflitantes podem permitir o falseamento da relevância do assunto e do interesse público sobre aquela informação. Além de criar uma falsa sensação de diversidade de perfis, apesar de se tratarem de meios gerenciados pela mesma empresa.

Nosso engajamento com as vidas privadas dos influencers e artistas partem das estratégias bem estabelecidas. Elas reconhecem o interesse público nessas histórias que se parecem com a dramaturgia de horário nobre brasileiro, e que como estas, são um produto com uma exuberante audiência a ser monetizada.
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