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quarta-feira, 5 de novembro de 2025

COP30: desenvolvimento ou destruição?

 A COP30 tem sido palco para a disseminação do greenwashing, bem como reflexo das contradições da política ambiental do governo Lula

Por Heloisa De Tofoli

Uma pesquisa realizada pelo Eko Moviment/Datafolha revelou que 81% da população brasileira acredita que o Governo Federal deveria adotar mais ações de combate à urgência climática do que tem feito atualmente. Mas por que essa percepção de ineficiência ainda persiste, considerando que o governo Lula 3 foi eleito sob a promessa de reconstruir a política ambiental brasileira e recolocar o país no protagonismo internacional perdido durante os anos de retrocesso?

De fato, algumas medidas foram simbólicas e relevantes, como a nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente, a redução de 32,4% no desmatamento em 2024 e a decisão de sediar a COP30 em Belém do Pará, no coração da Amazônia.

Entretanto, as contradições são evidentes: o mesmo governo que defende a sustentabilidade sanciona parcialmente o chamado “PL da Devastação”, autoriza a Petrobras a perfurar poços de petróleo na Foz do Rio Amazonas e tolera o greenwashing de grandes corporações que lucram enquanto se pintam de verde na COP30 (para entender o que é “greenwashing” leia o artigo: “Sustentabilidade ou greenwashing? As contradições por trás do discurso verde das grandes corporações.”).

A Conferência das Partes (COP) é uma convenção anual criada pela ONU em 1994, em que representantes de diversos países se reúnem para discutir e firmar acordos sobre como enfrentar a crise climática global. A trigésima edição, marcada para acontecer em novembro deste ano, em Belém do Pará, no coração da Amazônia, carrega uma forte carga simbólica.

Assim como o plano de desenvolvimento ambiental do governo brasileiro, que prevê desmatamento zero até 2030, a COP30 tem como meta limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C. Mas será que reunir milhares de bilionários e grandes corporações, interessados sobretudo em lucrar, será o suficiente para transformar essas promessas em ações concretas?

A resposta veio bem antes de a COP, de fato, começar. Belém está sendo transformada em vitrine do “desenvolvimento sustentável”, mas por trás das obras e dos discursos oficiais, o que se vê é o avanço sobre áreas protegidas, o apagamento das comunidades locais e a apropriação da pauta ambiental por quem mais lucra com a destruição.

A preparação de Belém para receber a COP30 é apresentada pelo governo como um marco de desenvolvimento e sustentabilidade. No entanto, a principal obra que simboliza esse “progresso” - a construção da Avenida Liberdade, uma rodovia de 13 quilômetros que corta áreas de floresta protegida - escancara a contradição entre discurso e prática.

A obra é parte de um pacote de mais de 60 intervenções urbanas, que o governo estadual chama de “modernização” da cidade para a COP30. Entre os projetos, estão revitalizações de praças, duplicações de vias, retirada de comerciantes de rua, criação de parques lineares e reformas em áreas históricas.

Mas para muitos moradores, o que é apresentado como “desenvolvimento” tem se traduzido em remoções forçadas, perda de renda e destruição ambiental. Pequenos comerciantes tiveram de deixar seus pontos de trabalho para dar lugar a áreas “revitalizadas” para o turismo. Moradores locais perderam áreas de cultivo e fontes de renda, como o açaí. Além disso, a falta de transparência no processo de licenciamento ambiental é denunciada. 

Essas mudanças ocorrem de forma brusca e acelerada em uma cidade que há anos luta por melhores condições de vida. O discurso do governo fala em “modernização” e “mobilidade urbana”, mas a pergunta que ecoa entre os moradores é: modernização para quem? Belém agora se torna o cartão-postal do Brasil para os estrangeiros, mas o que restará quando o evento acabar? As obras estão sendo feitas para quem vai passar uma semana na cidade, não para quem vive nela há décadas.

A palavra “modernizar” parece ter dois significados: para o poder público, é pavimentar, construir, mostrar eficiência; para quem vive nas margens da cidade, modernizar seria ter dignidade, saneamento, transporte público de qualidade e respeito à floresta e aos territórios tradicionais.

Enquanto isso, a floresta cede espaço ao asfalto, e os quilombolas, pescadores e comerciantes são empurrados para fora da paisagem que ajudaram a construir. O discurso de sustentabilidade se transforma em greenwashing estatal, em que o meio ambiente é tratado como vitrine política e não como prioridade coletiva.


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terça-feira, 4 de novembro de 2025

Sustentabilidade ou greenwashing? As contradições por trás do discurso verde das grandes corporações.

 As gigantes do petróleo e da mineração prometem transição energética em seus anúncios, mas o que de fato acontece é uma transição de imagem.

Por Heloisa De Tofoli

Petrobras, Vale e Shell - sabe o que elas têm em comum?
Além de figurarem entre as maiores corporações que atuam no Brasil e movimentarem bilhões de reais todos os anos, essas empresas compartilham uma mesma estratégia de marketing: o greenwashing.

Termos como “descarbonização”, “sustentabilidade”, “transição energética justa”, “energia totalmente limpa” e “mudança de hábitos” fazem parte do discurso dessas grandes corporações. Diante de uma publicidade, eles podem até soar bonitos e harmoniosos, mas sabe o que eles também têm em comum? São parte de uma mesma linguagem: o greenwashing.

Mas afinal,  o que significa “greenwashing”, ou melhor, “lavagem verde”?

É uma estratégia de marketing aplicada por empresas poluentes e poderosas de setores, como Agronegócio, Mineração e Energia, as quais vêm utilizando massivamente sites, redes sociais e publicidade online no Brasil para promoverem narrativas de sustentabilidade, desvinculadas de práticas reais ou verificáveis. 

Essas empresas compõem o ecossistema da desinformação socioambiental, ao tentarem mascarar os impactos ambientais negativos que elas causam, omitindo dados críticos e divulgando informações exageradas e imprecisas. 

Uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudo de Internet e Redes Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisou os anúncios divulgados no LinkedIn por empresas de setores de energia, mineração e agronegócio, áreas cujos modelos produtivos são intensivos em recursos como terra, água e energia, e geram alto impacto ambiental.

Dos 2.800 anúncios analisados, 1.476 (52,7%) apresentavam indícios de greenwashing, publicados por 389 empresas (42,5%). Entre as dez companhias que mais veicularam anúncios com indícios de greenwashing, três pertencem ao setor fóssil - Petrobras, Shell e Acelen - além da Vale, na mineração, e das empresas de gás natural Comgás e Compass.

Quem nunca ouviu, nas propagandas da Petrobras, o termo “transição energética justa”?
Em um dos comerciais, Diogo Nogueira canta: “Justa, nosso presente é uma energia justa”, enquanto Camila Pitanga, vestida de verde e sorridente, afirma que a Petrobras fornece “energia justa”. Na prática, porém, a realidade é bem diferente: a empresa segue lucrando com o aumento da produção de óleo e gás, sem interromper a exploração de combustíveis fósseis  e com investimentos ainda muito baixos em energias renováveis.

O que eles chamam de “transição” é, na verdade, uma falácia de marketing. Trata-se apenas da adição de novas fontes de energia, sem a substituição das antigas. Se houvesse um compromisso real com uma transição energética verdadeiramente “justa”, seria mesmo necessário perfurar a Foz do Rio Amazonas, uma das áreas mais sensíveis do planeta?

A justificativa oficial é sempre a mesma: “desenvolvimento” e “empregabilidade”. No entanto, a própria exploração ameaça o maior conjunto de manguezais do mundo, corais únicos e diversos ecossistemas costeiros, além de trazer alto risco de vazamentos. E a geração de empregos seria mão-de-obra especializada.

O mesmo ocorre com os anúncios publicados pela Shell. A empresa possui dois perfis no LinkedIn: um focado na sua atividade principal de exploração de petróleo e outro voltado para energias renováveis, chamado Shell Energy, que modela sua imagem a favor  da transição energética. Porém, a petrolífera destinou apenas 1% dos seus investimentos para isso entre 2010 e 2018, além de não ter planos para reduzir a exploração de petróleo e gás até 2030 (ClientEarth, 2021).

Por fim, há a Vale, que ocupa a terceira posição no ranking das empresas que mais praticam greenwashing. Seus anúncios frequentemente trazem o CEO Gustavo Pimenta como porta-voz de uma suposta “mineração sustentável”, reforçando um dicurso de compromisso com a “transição energética”, o que soa contraditório diante de seu histórico de crimes ambientais. Entre os mais graves, está o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em 2019, que resultou em 272 mortes e danos irreversíveis ao meio ambiente.

 A Vale já foi processada pelo Ministério Público Federal por contaminação de comunidades indígenas e suas dívidas com a União e o estado do Pará ultrapassam R$ 44 bilhões, ainda assim, aposta em ações de marketing para reconstruir sua imagem.

Com a COP30 batendo à porta, o grande espetáculo ambiental e midiático está prestes a começar e a Vale já se posiciona como uma de suas patrocinadoras oficiais. Recentemente, promoveu o Festival Amazônia Para Sempre, em Belém, com um line-up de estrelas como Fafá de Belém, Ivete Sangalo e Mariah Carey, sob o discurso de “proteção da floresta Amazônica e dos povos que nela habitam”.

Entretanto, por trás da estética verde e dos holofotes, há uma contradição gritante: a mesma empresa que destrói ecossistemas tenta agora vender uma imagem de guardiã da floresta.

Se o LinkedIn, as redes sociais e as propagandas em rede nacional já servem como palco para a disseminação do greenwashing, a COP30 será um exuberante palanque,  onde empresas poluidoras se apresentam como defensoras do planeta, escondendo, sob o manto verde da sustentabilidade, os mesmos interesses que alimentam a crise ambiental.

Para ler o estudo feito pela NetLab, acesse o site da Agência Pública:
https://apublica.org/podcast/2025/10/bom-dia-fim-do-mundo/greenwashing-quem-deve-mais-paga-menos/

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sexta-feira, 17 de outubro de 2025

PEC da Blindagem: como as redes sociais transformam o debate político em mobilização popular

 As manifestações contra a  PEC da Blindagem mostraram como as redes sociais deixaram de ser apenas espaço de opinião para se tornarem instrumentos de pressão política, mobilização popular e pedagógica prática democrática

Por Heloisa Benicio


As redes sociais deixaram de ser apenas espaços de interação para se consolidarem como arenas centrais do debate político e social. O poder da mídia digital se mostra cada vez mais evidente ao amplificar opiniões, moldar narrativas e mobilizar cidadãos. Postagens, vídeos e hashtags transformam-se em instrumentos de pressão sobre parlamentares, decisões institucionais e a própria opinião pública. O embate em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) autodenominada das Prerrogativas - mas que ganhou apelidos sugestivos: PEC da Blindagem e por fim PEC da Bandidagem - é um exemplo claro desse processo.


Aprovada pela Câmara dos Deputados em 16 de setembro de 2025, a proposta alterava as regras para abertura de processos criminais e prisões contra parlamentares. O texto-base tinha como objetivo alterar as regras e dificultar prisões em flagrante, prevendo que a continuidade de ações judiciais contra deputados e senadores fosse decidida pelo próprio Congresso, em votação secreta. Desde a votação, a medida provocou forte reação social e expôs o poder das redes como espaço de resistência política.


Enquanto veículos de imprensa se concentraram em análises jurídicas e na repercussão institucional, nas plataformas digitais o debate ganhou contornos mais populares. Expressões como “PEC da Bandidagem” rapidamente se tornaram trending topics, traduzindo em linguagem simples o sentimento de repúdio. A rejeição viralizou em campanhas digitais criadas por influenciadores e celebridades, que buscaram explicar de forma didática os impactos da proposta. 


Mesmo com a polarização política intensa que observamos ao longo dos últimos anos, as mobilizações sobre a PEC traçaram um caminho alternativo.. Mais que uma disputa entre direita e esquerda, o movimento atingiu uma camada ampla e apartidária e se configurou em uma luta nacional contra um “Congresso Inimigo do Povo”, um apelo em nome da democracia. 


O papel dos influenciadores foi central nesse movimento. Utilizando ferramentas como vídeos curtos no Instagram e no TikTok, eles simplificaram o conteúdo jurídico, ampliaram o alcance das informações e estimularam a participação popular. O fenômeno chamou atenção por não se restringir a vozes já engajadas em debates políticos: figuras públicas que tradicionalmente se mantinham afastadas da política usaram suas plataformas para se posicionar contra a medida, reforçando a ideia de que a vigilância democrática é um dever. 


As mobilizações dessas figuras públicas ultrapassaram o espaço virtual. Artistas consagrados como Djavan, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque participaram de manifestações presenciais, reforçando a legitimidade do movimento e evocando a memória histórica da resistência cultural durante a ditadura militar. A volta dessas figuras à linha de frente dos protestos deu ao movimento um peso simbólico adicional, unindo gerações em torno da defesa da democracia.


Esse episódio revela que a mídia contemporânea já não atua apenas como mediadora, mas também como protagonista. As redes sociais se consolidaram como canais estratégicos de informação, sensibilização e mobilização política. Nesse ambiente, cidadãos não são mais espectadores passivos, são atores capazes de questionar, interpretar e pressionar diretamente o sistema político. O que nasce em posts, vídeos e hashtags pode, em poucos dias, se transformar em força política real, capaz de influenciar votações no Congresso e expor a fragilidade de projetos que não encontram respaldo popular.


O desafio diante desse cenário é bastante complexo. Primeiramente, a força das mobilizações a que assistimos indica que a sociedade civil está atenta aos movimentos da política institucional. Mais do que a “tradução” para linguagem acessível, das massas, de temas complexos e de difícil compreensão, o maior desafio é encontrar uma pauta que “fure bolhas” e encontre ressonância ampla em diversos segmentos sociais. 


O outro desafio talvez tenha como resposta o primeiro deles: como evitar que os interesses das corporações estrangeiras privadas (as big tech) utilizem a manipulação de seus algoritmos para colonizar e tomar de assalto a agenda e o debate públicos? Apenas uma mobilização social ainda maior do que aquela que se viu na PEC da Blindagem poderá ser capaz de forçar a política institucional a proteger a democracia do poder das empresas que não se furtam a canalizar os princípios da democracia para seus próprios interesses.


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quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O vício em games e a gamificação: entretenimento e dependência

Por Antônio C.M. Mesquita

O vício em games e o universo dos e-sports são fenômenos interligados, que revelam tanto o lado prazeroso e competitivo dos jogos eletrônicos quanto os riscos do uso excessivo e descontrolado. Enquanto os e-sports representam uma evolução dos jogos para o cenário competitivo e profissional, o vício em games é um transtorno comportamental que vem ganhando atenção crescente no campo da saúde mental.

Sua principal característica é uma necessidade compulsiva de jogar, levando o indivíduo a negligenciar responsabilidades pessoais e sociais. Esse transtorno pode trazer consequências físicas e mentais, como problemas musculares, aumento da ansiedade e isolamento social. O desenvolvimento dessa dependência é complexo e pode ser influenciado por fatores biológicos, como predisposição genética, e fatores psicológicos e sociais, como impulsividade, baixa autoestima e o ambiente de isolamento.

O uso de recursos eletrônicos, como redes sociais e videogames, pode ser uma ferramenta de alívio do estresse e proporcionar satisfação, especialmente para jovens que enfrentam desafios na vida real. No entanto, conforme alerta o psiquiatra Renato Silva, essa busca por satisfação digital pode se transformar em um problema quando o uso excessivo começa a substituir atividades essenciais, como manter uma rotina de sono saudável, estudar, trabalhar e socializar.

Segundo Silva, apesar dos benefícios potenciais dos jogos eletrônicos, como o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras, o uso exacerbado pode estar ligado a vulnerabilidades pessoais. Jovens com baixa tolerância à frustração, ansiedade social e baixa autoestima podem ser mais suscetíveis ao uso excessivo dos jogos e redes, na busca de um alívio para essas dificuldades emocionais.

Além disso, existe uma relação entre o vício em tecnologia e transtornos mentais, como depressão, transtorno bipolar e TDAH. Contudo, a relação de causa e efeito entre esses transtornos e o vício ainda não é totalmente clara: a ciência ainda investiga se a dependência digital pode ser um gatilho para o desenvolvimento de certos transtornos ou se, ao contrário, esses problemas de saúde mental tornam o indivíduo mais propenso ao uso excessivo.

Esse cenário ressalta a importância do equilíbrio. Embora a tecnologia possa ser uma aliada para aliviar o estresse e desenvolver habilidades, a conscientização sobre o uso excessivo e a busca por alternativas de bem-estar na vida offline são essenciais para a saúde mental e o bem-estar dos jovens. O tratamento desse transtorno pode envolver psicoterapia, como a terapia cognitivo-comportamental, além de medicação para tratar sintomas associados, e grupos de apoio, que proporcionam suporte de pessoas com vivências semelhantes.

E-sports: A Nova Era do Esporte

Os e-sports, ou esportes eletrônicos, surgiram como competições de jogos eletrônicos disputadas por jogadores profissionais. Com uma estrutura similar à de esportes tradicionais, os e-sports possuem ligas, campeonatos e torcidas. Esse universo conquistou um público global, impulsionado por fatores como a acessibilidade dos jogos, a formação de comunidades, e a transmissão ao vivo em plataformas de streaming como Twitch e YouTube.

Para alcançar um alto desempenho, os jogadores de e-sports têm acompanhamento psicológico, treinam intensivamente, seguem uma rotina e são avaliados por equipes de gestão e recrutamento. Essa estrutura competitiva espelha as demandas físicas e mentais de esportes tradicionais, diferenciando-se apenas pelo meio virtual.

A prática dos e-sports já é reconhecida como esporte em diversos países, como Itália, Rússia, Finlândia, Malásia, Coreia do Sul e China, onde competições e eventos atraem milhões de espectadores e são economicamente relevantes. Jogos como xadrez, pôquer e Go também passaram a ser considerados esportes por possuírem estruturas competitivas, campeonatos e um desenvolvimento de habilidades complexas.

Gameficação e sociedade

Os jogos, que antes eram vistos apenas como passatempo, estão se revelando ferramentas poderosas para transformar a sociedade. Através de mecânicas que ensinam habilidades valiosas e narrativas que abordam temas sociais relevantes, os games estão ganhando um papel cada vez mais importante em nossa cultura.

A ascensão dos jogos eletrônicos como forma de entretenimento e interação social trouxe consigo uma série de desafios e oportunidades para a sociedade. É fundamental analisar ambos os lados da moeda para entendermos o impacto real dessa transformação.

Os jogos online facilitam a criação de comunidades globais, onde pessoas com interesses em comum podem se conectar e interagir, permitindo também a expressão sua criatividade de diversas maneiras, seja através da criação de conteúdo, da participação em comunidades online ou da construção de mundos virtuais. Essas comunidades podem promover a inclusão e o apoio social. Outro ponto a se considerar é o fato da indústria de jogos ser um dos setores que mais crescem no mundo, gerando empregos e movimentando a economia.

Conclusão

Os e-sports são uma expressão moderna de competição e cultura que transformam os jogos eletrônicos em um espetáculo profissional. Ao mesmo tempo, a conscientização sobre os riscos do vício em games é fundamental, para que o universo dos jogos possa ser aproveitado de forma saudável e equilibrada. A popularidade dos e-sports e a crescente preocupação com a saúde mental dos jogadores mostram que os jogos eletrônicos, quando bem geridos, podem ser uma fonte de entretenimento e realização. Ao compreendermos os desafios e oportunidades que eles apresentam, podemos trabalhar para maximizar seus benefícios e minimizar seus riscos, construindo um futuro mais justo e equitativo para todos.





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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Racismo, eurocentrismo e o lugar de Vinícius Júnior

O que revela o resultado do Bola de Ouro deste ano sobre as persistentes manifestações do imperialismo

Por Giovanna Mota

Ballon d’or, a Bola de ouro, como é conhecida, é uma das maiores premiações individuais no mundo do futebol. Criada pela revista francesa France Football, ela contempla o melhor jogador da temporada desde 1956. Neste ano de 2024, o nome mais cotado a vencer era o brasileiro Vinícius Júnior O espanhol Rodri, um aplicado, mas não brilhante, volante do clube inglês Manchester City, porém, foi indicado como o jogador do ano, deixando o segundo lugar para o brasileiro.

Seria natural que o resultado provocasse reações acaloradas, especialmente de brasileiros - mas o resultado parece revelar algo mal escondido: a tentativa de aplicar uma lição de moral no “indisciplinado” Vinícius parece esconder a arrogância típica dos colonizadores e, pior, o racismo contra o qual o jogador brasileiro se insurgiu.

Desde que chegou ao Real Madrid, Vinícius é vítima de atos racistas, tanto nas atitudes de parte da torcida quanto em episódios de preconceito racial explícito em estádios e na mídia. A constante exposição do jogador, apesar de seu talento e conquistas, coloca em xeque a maneira como a sociedade europeia trata os atletas negros, especialmente aqueles da América Latina e da África. O destaque de Vinícius Júnior no futebol europeu, com suas vitórias e habilidades excepcionais, contrasta com a resistência que ele enfrenta devido ao racismo, o que revela um sistema que muitas vezes marginaliza e diminui a importância de figuras negras, mesmo quando elas são protagonistas.

O fato de Vinícius Júnior se posicionar contra o racismo, tanto em campo quanto fora dele, também parece ter contribuído para o fato de ele não ter conquistado a Bola de Ouro. O jogador, que constantemente denuncia os abusos racistas a que é submetido, tanto nas redes sociais quanto nas arenas, desafia uma narrativa eurocêntrica que tenta manter a ideia de que os atletas de fora da Europa devem se "encaixar" nas normas europeias, sem questionar ou se opor às injustiças que sofrem.

O eurocentrismo também se reflete nas expectativas culturais impostas aos jogadores, especialmente os de origens latinas ou africanas. No caso de Vinícius Júnior, seu comportamento espontâneo e expressivo em campo – como dançar ao marcar gols ou tirar a camisa para celebrar – é frequentemente visto com preconceito por parte da mídia e das torcidas europeias, que tendem a valorizar um estilo mais “contido e disciplinado". Esses gestos, comuns em várias culturas latino-americanas, muitas vezes são estigmatizados no futebol europeu, onde há uma tendência a não aceitar comportamentos que escapam ao "padrão europeu”, refletindo um duplo padrão que privilegia atletas de origens continentais brancas e eurocêntricas.

Com a notícia de que Vinícius não iria ganhar a bola de ouro, o Real Madrid, o time do jogador e também um dos maiores times do mundo decidiu não ir à cerimônia e nem levar nenhum representante, mesmo ganhando os prêmios de melhor time, artilheiro e melhor treinador da temporada.

Essa atitude do Real Madrid e principalmente do Vini Jr. foi repercutida pelo jornalista e ex-apresentador brasileiro Thiago Leifert: “Deveria ter ido, com o peito estufado, olhar no olho dos jornalistas que não votaram em você, receber o carinho. Se você tivesse ido, seria o campeão moral. Teria sido absurdamente legal se você tivesse ido. O Rodri não tem culpa, acabou sendo um pouco ferido pelos fatos. Não tem culpa nenhuma. Você deveria ter ido, Vini. Para você ser levado nos braços do povo. Perdeu a oportunidade de ter essa imagem”.

Leifert recebeu as devidas críticas sobre como um homem branco não deve ensinar um homem pretocomo reagir a casos de racismo. Um dos comentários foi do ator Bruno Gagliasso, ator branco, como Leifert, mas que, por se notabilizar por ter filhos pretos, tem sofrido, ainda que indiretamente, com o racismo. Sobre Vinícius Júnior, Gagliasso escreveu: “Ele venceu porque a sua ausência é mais eloquente do que qualquer presença naquele evento. Ele venceu porque fez o mundo inteiro olhar para uma brutal tentativa de apagamento.”

A ausência de Vinícius Júnior na cerimônia da Bola de Ouro 2024 não só evidencia sua resistência ao racismo, mas também provoca uma profunda reflexão sobre as injustiças enfrentadas pelos atletas negros no futebol europeu. A sua decisão de não comparecer, em protesto contra um sistema que muitas vezes marginaliza e menospreza as suas realizações, ressoa mais alto do que qualquer cerimónia de entrega de prémios. A reação dos meios de comunicação social e a defesa das suas posições por figuras públicas sublinham a urgência de um diálogo sobre o racismo e o eurocentrismo que persistem nos atos, apesar de todo esforço civilizatório apregoado pelos europeus aos bárbaros e selvagens.
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quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?

 O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? 

Por Laís Abreu 

No mundo contemporâneo, a presença das redes sociais na rotina das pessoas se tornou algo tão comum que aqueles que arriscam a ausência nas plataformas digitais criam uma impressão de desatualização ou até mesmo falta de conectividade com o restante do mundo.

Os celulares facilitaram bastante isso: entre uma tarefa e outra, acontece uma checagem no Instagram, outra no WhatsApp e uma lida no Twitter, ou melhor dizendo X. Até que no dia 30 de agosto, milhões de usuários da famosa plataforma do passarinho se viram diante de seu bloqueio. Para muitos fãs da rede foi uma atitude antidemocrática, mas o que muitos precisavam enxergar é que, de fato, a vida continua sem as plataformas digitais.

Embora a rotina de todos os brasileiros estivesse sendo a mesma, as reclamações e abstinência tomaram conta das demais redes sociais e muitos garantiam que lutavam pela “liberdade de expressão”. Um estudo da Orbit analisou 500 conversas no TikTok sobre a suspensão do X no Brasil e considerando os usuários que já haviam se decidido sobre a migração para uma outra plataforma, 78% disseram que o BlueSky seria o substituto do X. Em seguida, o Threads aparecia com 14% dos comentários.

No entanto, diante de toda essa “ausência de liberdade de expressão”, os internautas ignoram a verdadeira influência e poder que tomam conta das redes sociais. Adorno foi um dos primeiros pensadores a realizar análises mais sistemáticas sobre o tema e descreveu que os meios de comunicação em larga escala moldam e direcionam as opiniões de seus receptores. É como se fosse uma pirâmide, em cuja base estão todos os usuários envolvidos em likes, retweets, compartilhamentos, publicações, trends topics e hashtags. Enquanto no topo dela, estão as grandes marcas e influencers, que ditam as tendências, impõem os padrões e moldam as narrativas.  

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.
O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.

O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

Em um cenário em que nossa última imagem antes de dormir é uma tela e a primeira ao acordar é uma tela, a reflexão que fica é: precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?
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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Jogando no tabuleiro do mercado: concessões, plataformas e o poder dos players

 Por Letícia Paolinelli

A transformação no modo de produzir conteúdo e as concessões de TV no Brasil refletem uma mudança profunda na comunicação e no trabalho de produtores de conteúdo, jornalistas e comunicadores, marcada pela digitalização e pela entrada de novos players no mercado. Desde a tradicional estrutura de concessões de canais televisivos até a ascensão das plataformas de internet, as mudanças tecnológicas e sociais configuraram um novo panorama midiático, que impacta diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

O cenário midiático se assemelha a um grande jogo, onde as regras não são claras para todos os participantes, mas quem detém o poder das plataformas controla a partida. Essas novas peças no tabuleiro mudaram o rumo da comunicação, impactando diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

Novo jogo ou novos jogadores?

As concessões de TV no Brasil são um tema que voltou a ganhar relevância, especialmente após recentes discussões sobre a renovação de contratos, como o caso de Silvio Santos e o SBT. Tradicionalmente, as concessões de radiodifusão garantiram a grandes emissoras, como Globo, SBT e Record, o controle quase exclusivo sobre o que era transmitido aos brasileiros. A comunicação em massa seguia uma lógica hierárquica, onde poucos controlavam a produção de conteúdo, e a audiência se limitava a um papel passivo. No entanto, o cenário mudou drasticamente com a chegada da internet e de novas plataformas, empresas como: LiveMode, CazéTV, YouTube, Meta, Twitch ect. Essas empresas, que não estão sujeitas às mesmas regras das concessões de TV, surgiram com um modelo descentralizado, aparentemente mais democrático. No entanto, essa transformação não veio sem suas armadilhas: são monopólios globais, que estão associados a monopólios nacionais e em sequência regionais, os novos participantes ainda são gigantes globais que controlam as regras, a infraestrutura e as decisões estratégicas do mercado.

A ascensão da internet como um meio predominante de comunicação criou a ilusão de que a produção de conteúdo foi democratizada. De fato, a internet facilitou o acesso ao mercado de criação, permitindo que qualquer pessoa com um celular pudesse produzir e compartilhar vídeos, textos e imagens para uma audiência global. No entanto, a realidade é bem mais complexa. Por trás da promessa de democratização, estão grandes corporações que controlam a infraestrutura e ditam as regras do jogo.

Isso não só afeta os criadores de conteúdo, mas também jornalistas e comunicadores que migram para plataformas digitais, sem a segurança trabalhista das tradicionais redações. As plataformas digitais, ao contrário das emissoras de TV, operam de forma quase totalmente desregulamentada, o que torna essencial a criação de leis específicas para garantir os direitos desses trabalhadores, o que, em geral, é impedido pelo forte lobby das big tech.

Neste sentido, as propostas legislativas como o PL 2630/2020 e o PL 2370/2019 se tornam urgentes e fundamentais. O Projeto de Lei 2630, conhecido como "PL das Fake News", visa a regulamentar as plataformas digitais, buscando responsabilizá-las pela disseminação de informações falsas e proteger o ambiente de comunicação online. Já o PL 2370 aborda diretamente a questão dos direitos trabalhistas dos criadores de conteúdo, propondo medidas que regularizem as condições de trabalho para esses profissionais que operam em plataformas como YouTube, Twitch, e redes sociais. Esses projetos de lei não são apenas passos na direção da proteção da democracia e da integridade da informação, mas também na defesa dos direitos dos profissionais que constroem a nova face da comunicação digital. É preciso sentar à mesa e discutir com os grandes players desse jogo.

Os espectadores também são players


Entretanto, o impacto dessas plataformas não se restringe apenas ao campo econômico ou trabalhista. A internet alterou profundamente a maneira como a audiência interage com o conteúdo. Se antes a televisão impunha uma programação fixa e inalterável, agora o espectador escolhe o que quer assistir e, muitas vezes, se transforma em produtor de conteúdo. Essa mudança de paradigma parece, à primeira vista, empoderadora. Mas o que estamos realmente testemunhando é a intensificação de um modelo de produção contínua, onde a audiência se torna uma métrica algorítmica, e os criadores são forçados a produzir incessantemente para manter a relevância. Seria esse um Tempos Modernos de Charles Chaplin dos tempos que vivemos?

A promessa de que a internet traria uma produção de conteúdo mais democrática e inclusiva é, em grande parte, uma falácia. O controle da informação está cada vez mais concentrado nas mãos de grandes corporações globais, que ditam as regras de monetização, visibilidade e conteúdo permitido. Mesmo a representatividade, um dos aspectos mais exaltados da internet, é limitada por algoritmos que favorecem o que é comercialmente viável, e não necessariamente o que é relevante socialmente.

De qual lado do tabuleiro está cada jogador?


A televisão continua a ser um espaço de poder considerável. A Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo, é um exemplo claro de como a televisão se adaptou às novas demandas do público. No entanto, mesmo com a expansão digital, o grupo ainda mantém uma forte presença na radiodifusão tradicional, o que demonstra como as antigas e novas formas de comunicação coexistem e, muitas vezes, reforçam os mesmos monopólios de poder.

A questão central é: quem realmente se beneficia dessas mudanças? Apesar de uma maior pluralidade de vozes ter encontrado espaço na internet, a comunicação de massa ainda segue dominada por gigantes globais e nacionais. O acesso ao público, a monetização e o controle da narrativa continuam concentrados. Como apontado por Muniz Sodré, em sua coluna na Folha de S.Paulo de 29/09, plataformas como o Twitter/X e YouTube são, no fundo, mecanismos comerciais que se disfarçam de espaços de livre expressão. Elas não promovem, de fato, um debate democrático, pelo contrário, fragmentam a sociedade em bolhas de informação desconexa, reforçando polarizações e dificultando um diálogo real.

Portanto, enquanto seguimos usando esses espaços digitais para tentar ampliar a representatividade e a discussão de temas antes marginalizados, é essencial manter uma postura crítica. A produção de conteúdo na internet, ao contrário do que muitos acreditam, não é uma forma de liberdade plena, mas sim um reflexo das condições econômicas e sociais impostas. A comunicação mudou, e nós fazemos parte dessa mudança - mas é preciso garantir que essa transformação caminhe rumo a um modelo mais justo e democrático, tanto no ambiente digital quanto na mídia tradicional.



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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Movimento Passe Livre em Divinópolis: a abordagem da imprensa local

Sites e emissoras de Divinópolis cobriram a audiência que discutiu a gratuidade da passagem no transporte público para estudantes

Por Vitor Faria Silveira

No início do mês de outubro o ambiente político em Divinópolis foi bastante agitado. Estudantes do município fizeram manifestações reivindicando o passe livre no transporte público da cidade. Muitos estudantes têm dificuldades para ter acesso às escolas da rede municipal e estadual de ensino em Divinópolis. O problema também é enfrentado por discentes do ensino superior das universidades públicas e privadas da cidade.

Audiência de discussão do passe livre/ Foto: Portal MPA

No dia 2 de outubro, estudantes e professores acompanharam uma audiência na Câmara de Vereadores de Divinópolis para discutir a implementação do benefício no transporte público da cidade. A imprensa local marcou presença no local e noticiou o fato em suas mídias.

A TV Integração fez uma matéria abordando o fato. Na audiência a emissora entrevistou o estudante de Psicologia da Uemg, Vitor Severino Ribeiro, um dos organizadores do movimento na cidade, a professora da rede municipal de ensino, Sidneia Francelino , o vereador Rodyson do Zé Milton, solicitante da audiência e o assessor Jurídico da Prefeitura, Felipe Soalheiro.

O Portal MPA publicou uma notícia destacando a presença maciça dos estudantes das escolas e universidades públicas de Divinópolis. O texto enfatiza as falas do parlamentar Rodyson que, segundo ele, o transporte gratuito elimina a barreira financeira imposta aos estudantes e da docente Kellen Silva que, segundo ela, 20 mil famílias se encontram em vulnerabilidade social no município. O portal também menciona, na fala dela, os playballs que foram custeados pela gestão municipal a preço de R$10 mil reais cada um. A educadora questiona quantas gratuidades poderiam ser pagas com o valor gasto na compra dos brinquedos.

O portal Divinews, conhecido pelas polêmicas com a atual administração da Prefeitura, iniciou a matéria em seu site com acusações contra o prefeito Gleidson Azevedo e seus aliados na Câmara de boicotar a audiência. Conforme o portal, “a tropa”, se referindo aos aliados do executivo municipal, conseguiu o número de telefone do motorista da van que levaria os estudantes da Uemg para a audiência, ligou para ele e o dispensou para esvaziar a reunião. O texto diz ainda que o ato piorou a imagem do prefeito, já que os estudantes gritaram palavras de ordem contra Gleidson. A matéria traz ainda os dados de outras cidades mineiras que implementaram descontos nas passagens do transporte coletivo.

O Jornal Agora abordou as solicitações dos estudantes na audiência e trouxe também outros projetos de lei acerca de gratuidade no transporte público que estão em discussão na casa. Dentre os projetos em discussão, o apresentado pelo vereador Flávio Marra institui a volta dos cobradores no transporte público e a instalação de ar condicionado em todos os veículos operados pelo Consórcio Trans Oeste, responsável pelo transporte público em Divinópolis.

O Portal Gerais não chegou a noticiar os acontecimentos que ocorreram durante a audiência, mas divulgou a ocorrência da audiência na Câmara e o que estaria em pauta durante o ato.

Dentre as emissoras e portais de maior relevância no município, a TV Alterosa não trouxe a pauta do passe livre estudantil para sua programação ou redes sociais. A afiliada do SBT em Divinópolis é conhecida por abordar matérias factuais e “policialescas” para sua programação. Soou estranho que a emissora não tenha noticiado o movimento e a audiência nas duas edições do seu telejornal diário, visto que a emissora conta, atualmente com dois estagiários no departamento de Jornalismo da emissora e que, provavelmente, arcam com a passagem do transporte público para se deslocar para a mesma nos dias de trabalho.

É claro que, para a sociedade civil e suas lutas, ganhar visibilidade na mídia é melhor do que ser ignorado - e por “ignorado” pressupõe-se inclusive alguma forma de interesse ou insensibilidade.

A cobertura do movimento pela mídia local, todavia, põe em dúvida se ela e seus profissionais estão contribuindo para a qualificação do debate público, ao apenas noticiar, sem qualquer esforço analítico ou de contextualização. Na era da hipermidiatização, consumidores e especialmente cidadãos esperam que a mídia possa lhes oferecer mais do que um retrato do que acontece ou não acontece na realidade.
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terça-feira, 7 de novembro de 2023

(In) Visibilidade da violência de gênero e plataformas de trabalho na mídia: o homicídio da motorista de aplicativo Sheilla

Por Matheus Antônio Vieira
Natália Vitória Barbosa Costa e Silva
Maria Eduarda Bianchi Umebara

Por meio das perguntas inseridas nas narrativas, o jornalismo faz  ver e esconde a violência de gênero, plataformas de trabalho e a circulação de fake news


No dia 9 de Setembro deste ano, a motorista de aplicativo Sheilla de Almeida foi dada como desaparecida após realizar uma corrida em Divinópolis, Centro-Oeste de Minas Gerais. Segundo o jornal Estado de Minas, Sheilla realizou sua última viagem pelo aplicativo 99, pela qual pegou um passageiro no bairro Campina Verde e tinha como destino um supermercado situado na rua Rio de Janeiro, localizado no bairro Ipiranga. No dia 27, a Polícia Militar encontrou o corpo da motorista. Segundo o delegado Wesley Costa, Sheilla foi agredida, estrangulada e esfaqueada. ‘

As abordagens oferecidas pela mídia local se resumiam a relatos descritivos oferecidos pela Polícia Militar, e resumos do caso em linhas temporais (estes em grande parte do G1). O Portal MPA também destacou em esclarecer os boatos que circularam na internet sobre o caso, em uma espécie de fact checking que será analisado em tópico à parte. Mesmo com a diversidade de coberturas, em todas nota-se uma ausência de perguntas e esclarecimentos.

Fotografia de Sheilla Angelis de Almeida — Foto: Facebook/Reprodução

Após a confirmação de seu assassinato, as abordagens destacavam a violência sofrida pela motorista e o planejamento do crime por Rafael Monteiro de Sena, que confessou o assassinato. Entretanto, nenhuma das matérias veiculadas sobre o assunto abordaram o assassinato como crime como violência de gênero, o feminicídio. De acordo com as declarações oficiais da polícia, Rafael premeditou o crime, escolhendo Sheilla como alvo.

É por meio dos questionamentos, ou perguntas levantadas pelo jornalismo, que podemos formular uma narrativa acerca da experiência com a vida, construindo visibilidade para os problemas vividos. Ou seja, seu papel é essencial na constituição ou na visibilização do que é a própria violência de gênero. Ao tipificar a violência sofrida pela motorista como um caso extraordinário, que ignora a possibilidade de ter sido considerado um alvo dado o seu gênero, essa e outras agressões de gênero são invisibilizadas.

“Quem mata?” “Por quê mata?” “De qual forma mata?” “Como encontrou sua vítima?” Foram perguntas realizadas nas matérias que circularam acerca de Sheilla. Mas as perguntas não se aprofundam. “Matou por ser mulher?” “Foi considerada alvo mais fácil?” Não são perguntas levantadas pela abordagem jornalística, inviabilizando a possibilidade da construção narrativa sobre uma violência que poderia ser compreendida como feminicídio. Além disso, as reportagens preferem se contentar com os relatos oferecidos pela Polícia Militar. Apesar de seu papel essencial como figura de autoridade para a história, a limitação da voz da autoridade policial acabou simplificando a ampliação do debate, a pluralidade de vozes e visões na narrativa.

Assim, a ausência de vozes, como de especialistas de gênero, ou o próprio relato de outras mulheres motoristas de aplicativo, reduz a diversidade de perspectivas da narrativa. A participação dessas vozes enriqueceria a discussão e estimularia uma compreensão mais profunda das complexidades do caso para os leitores. Sem compreender essa complexidade, a narrativa se empobrece ao simplificar-se em apenas narrar uma série de descrições da violência sofrida ou no fact checking (checagem de fatos), baseada apenas nas descrições oferecidas pela Polícia Militar.

As abordagens apresentadas não abriam espaço para a possibilidade do crime cometido cometido à Sheilla ter sido feminicídio - resultado da discriminação do gênero feminino na sociedade. No âmbito jornalístico, é crucial que a mídia reconheça o feminicídio como uma das possíveis motivações para crimes cometidos contra mulheres, uma vez que, diversas mulheres são diariamente assassinadas pela condição de seu gênero. Portanto, ao abordar casos de violência contra a mulher, a mídia desempenha papel fundamental em conscientizar a sociedade sobre as profundas raízes do problema. Quando a mídia começar a abordar esses casos como feminicídio, a conscientização pública sobre a questão irá se ampliar.

Outra invisibilização é a ausência de menções sobre a plataforma para a qual Sheilla trabalhava. Com exceção de uma matéria do Estado de Minas, as matérias veiculadas tanto na internet quanto na televisão, não mencionaram a 99, aplicativo de transporte particular que foi utilizado para solicitar as corridas. A ausência dessa informação faz parecer que ela não foi considerada como relevante, e por tal, não conseguimos saber qual foi o papel da plataforma (se sequer existiu) no caso.

As perguntas que deixam de ser feitas nessas narrativas inviabilizam o questionamento do papel dessas plataformas como responsáveis pela segurança do trabalhador. Mas a partir da própria invisibilização, podemos também questionar a própria posição dos veículos: “Por que razão os veículos deixam de publicizar essas informações? Há interesses em jogo?” As plataformas interagem (e não apenas como intermediadoras), com a vida social, e declaradamente a sua responsabilidade com os seus trabalhadores, que têm fugido das suas responsabilidades ao extirpar dos trabalhadores a força de trabalho sem oferecê-los ferramentas de segurança. Plataformas de trabalho já deixaram de ser uma “novidade”, e compõem um campo de interesse social que precisa ser abordado pela mídia.

Abordagem por meio de rumores públicos

O Portal MPA, um portal de notícias e comunicação de Divinópolis e Região, no início das investigações do caso do desaparecimento de Sheilla, construiu uma matéria citando os rumores que circulavam sobre o motorista e o caso. Com o título de manchete: “Acusado de matar Sheilla diz que agiu a mando de um terceiro, seria um agiota.”, o texto traz um conjunto de rumores, apontando as informações que conferem ou não com o que a Polícia Militar informou. Um fact checking (checagem dos fatos) dos rumores. O que chama destaque é que a manchete ser afirmativa, faz parecer que está sendo noticiado algo concreto e confirmado, mesmo tratando-se de um rumor, tal como é esclarecido no próprio texto do Portal MPA.

No próprio texto e em momentos anteriores a família negou qualquer conhecimento desta suposição em relação a agiota, e a polícia também informou que não é possível se comprovar que o latrocínio era uma “execução de dívida”. A Polícia Militar, havia comentado sobre o suposto rumor, negando a possibilidade de ser verdadeiro. E mesmo assim, da forma a qual aparece no título da matéria, ela parece confirmar o rumor, pois não está indicado nem no título, nem na imagem que circulou no o Instagram do Portal MPA, que a matéria trata-se de uma checagem de fatos. A notícia então, incita o imaginário das pessoas acerca do fato, e assim também a curiosidade, como uma tentativa de gerar clicks para o site do veículo.

É importante distinguir entre rumores e notícias, e essa responsabilidade recai sobre a ética do veículo em não disseminar desinformação para seu proveito. A divulgação de suposições dos rumores, sem a devida apuração com fontes independentes - novamente: a autoridade policial é uma fonte necessária, mas ela não é única e talvez não tenha a devida independência, uma vez que está implicada na investigação -, é uma prática que não apenas fere a ética jornalística: ela o faz porque pode provocar uma chaga social muito profunda.

Pode-se questionar: casos como esse devem seguir o ritual de dar visibilidade e checar com diversas fontes? A resposta parece óbvia: a propagação de uma injustiça - ou da violência - não é também responsabilidade do jornalista que não se preocupa em fazer a violência circular?
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