quarta-feira, 5 de novembro de 2025

COP30: desenvolvimento ou destruição?

 A COP30 tem sido palco para a disseminação do greenwashing, bem como reflexo das contradições da política ambiental do governo Lula

Por Heloisa De Tofoli

Uma pesquisa realizada pelo Eko Moviment/Datafolha revelou que 81% da população brasileira acredita que o Governo Federal deveria adotar mais ações de combate à urgência climática do que tem feito atualmente. Mas por que essa percepção de ineficiência ainda persiste, considerando que o governo Lula 3 foi eleito sob a promessa de reconstruir a política ambiental brasileira e recolocar o país no protagonismo internacional perdido durante os anos de retrocesso?

De fato, algumas medidas foram simbólicas e relevantes, como a nomeação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente, a redução de 32,4% no desmatamento em 2024 e a decisão de sediar a COP30 em Belém do Pará, no coração da Amazônia.

Entretanto, as contradições são evidentes: o mesmo governo que defende a sustentabilidade sanciona parcialmente o chamado “PL da Devastação”, autoriza a Petrobras a perfurar poços de petróleo na Foz do Rio Amazonas e tolera o greenwashing de grandes corporações que lucram enquanto se pintam de verde na COP30 (para entender o que é “greenwashing” leia o artigo: “Sustentabilidade ou greenwashing? As contradições por trás do discurso verde das grandes corporações.”).

A Conferência das Partes (COP) é uma convenção anual criada pela ONU em 1994, em que representantes de diversos países se reúnem para discutir e firmar acordos sobre como enfrentar a crise climática global. A trigésima edição, marcada para acontecer em novembro deste ano, em Belém do Pará, no coração da Amazônia, carrega uma forte carga simbólica.

Assim como o plano de desenvolvimento ambiental do governo brasileiro, que prevê desmatamento zero até 2030, a COP30 tem como meta limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C. Mas será que reunir milhares de bilionários e grandes corporações, interessados sobretudo em lucrar, será o suficiente para transformar essas promessas em ações concretas?

A resposta veio bem antes de a COP, de fato, começar. Belém está sendo transformada em vitrine do “desenvolvimento sustentável”, mas por trás das obras e dos discursos oficiais, o que se vê é o avanço sobre áreas protegidas, o apagamento das comunidades locais e a apropriação da pauta ambiental por quem mais lucra com a destruição.

A preparação de Belém para receber a COP30 é apresentada pelo governo como um marco de desenvolvimento e sustentabilidade. No entanto, a principal obra que simboliza esse “progresso” - a construção da Avenida Liberdade, uma rodovia de 13 quilômetros que corta áreas de floresta protegida - escancara a contradição entre discurso e prática.

A obra é parte de um pacote de mais de 60 intervenções urbanas, que o governo estadual chama de “modernização” da cidade para a COP30. Entre os projetos, estão revitalizações de praças, duplicações de vias, retirada de comerciantes de rua, criação de parques lineares e reformas em áreas históricas.

Mas para muitos moradores, o que é apresentado como “desenvolvimento” tem se traduzido em remoções forçadas, perda de renda e destruição ambiental. Pequenos comerciantes tiveram de deixar seus pontos de trabalho para dar lugar a áreas “revitalizadas” para o turismo. Moradores locais perderam áreas de cultivo e fontes de renda, como o açaí. Além disso, a falta de transparência no processo de licenciamento ambiental é denunciada. 

Essas mudanças ocorrem de forma brusca e acelerada em uma cidade que há anos luta por melhores condições de vida. O discurso do governo fala em “modernização” e “mobilidade urbana”, mas a pergunta que ecoa entre os moradores é: modernização para quem? Belém agora se torna o cartão-postal do Brasil para os estrangeiros, mas o que restará quando o evento acabar? As obras estão sendo feitas para quem vai passar uma semana na cidade, não para quem vive nela há décadas.

A palavra “modernizar” parece ter dois significados: para o poder público, é pavimentar, construir, mostrar eficiência; para quem vive nas margens da cidade, modernizar seria ter dignidade, saneamento, transporte público de qualidade e respeito à floresta e aos territórios tradicionais.

Enquanto isso, a floresta cede espaço ao asfalto, e os quilombolas, pescadores e comerciantes são empurrados para fora da paisagem que ajudaram a construir. O discurso de sustentabilidade se transforma em greenwashing estatal, em que o meio ambiente é tratado como vitrine política e não como prioridade coletiva.


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terça-feira, 4 de novembro de 2025

Sustentabilidade ou greenwashing? As contradições por trás do discurso verde das grandes corporações.

 As gigantes do petróleo e da mineração prometem transição energética em seus anúncios, mas o que de fato acontece é uma transição de imagem.

Por Heloisa De Tofoli

Petrobras, Vale e Shell - sabe o que elas têm em comum?
Além de figurarem entre as maiores corporações que atuam no Brasil e movimentarem bilhões de reais todos os anos, essas empresas compartilham uma mesma estratégia de marketing: o greenwashing.

Termos como “descarbonização”, “sustentabilidade”, “transição energética justa”, “energia totalmente limpa” e “mudança de hábitos” fazem parte do discurso dessas grandes corporações. Diante de uma publicidade, eles podem até soar bonitos e harmoniosos, mas sabe o que eles também têm em comum? São parte de uma mesma linguagem: o greenwashing.

Mas afinal,  o que significa “greenwashing”, ou melhor, “lavagem verde”?

É uma estratégia de marketing aplicada por empresas poluentes e poderosas de setores, como Agronegócio, Mineração e Energia, as quais vêm utilizando massivamente sites, redes sociais e publicidade online no Brasil para promoverem narrativas de sustentabilidade, desvinculadas de práticas reais ou verificáveis. 

Essas empresas compõem o ecossistema da desinformação socioambiental, ao tentarem mascarar os impactos ambientais negativos que elas causam, omitindo dados críticos e divulgando informações exageradas e imprecisas. 

Uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudo de Internet e Redes Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisou os anúncios divulgados no LinkedIn por empresas de setores de energia, mineração e agronegócio, áreas cujos modelos produtivos são intensivos em recursos como terra, água e energia, e geram alto impacto ambiental.

Dos 2.800 anúncios analisados, 1.476 (52,7%) apresentavam indícios de greenwashing, publicados por 389 empresas (42,5%). Entre as dez companhias que mais veicularam anúncios com indícios de greenwashing, três pertencem ao setor fóssil - Petrobras, Shell e Acelen - além da Vale, na mineração, e das empresas de gás natural Comgás e Compass.

Quem nunca ouviu, nas propagandas da Petrobras, o termo “transição energética justa”?
Em um dos comerciais, Diogo Nogueira canta: “Justa, nosso presente é uma energia justa”, enquanto Camila Pitanga, vestida de verde e sorridente, afirma que a Petrobras fornece “energia justa”. Na prática, porém, a realidade é bem diferente: a empresa segue lucrando com o aumento da produção de óleo e gás, sem interromper a exploração de combustíveis fósseis  e com investimentos ainda muito baixos em energias renováveis.

O que eles chamam de “transição” é, na verdade, uma falácia de marketing. Trata-se apenas da adição de novas fontes de energia, sem a substituição das antigas. Se houvesse um compromisso real com uma transição energética verdadeiramente “justa”, seria mesmo necessário perfurar a Foz do Rio Amazonas, uma das áreas mais sensíveis do planeta?

A justificativa oficial é sempre a mesma: “desenvolvimento” e “empregabilidade”. No entanto, a própria exploração ameaça o maior conjunto de manguezais do mundo, corais únicos e diversos ecossistemas costeiros, além de trazer alto risco de vazamentos. E a geração de empregos seria mão-de-obra especializada.

O mesmo ocorre com os anúncios publicados pela Shell. A empresa possui dois perfis no LinkedIn: um focado na sua atividade principal de exploração de petróleo e outro voltado para energias renováveis, chamado Shell Energy, que modela sua imagem a favor  da transição energética. Porém, a petrolífera destinou apenas 1% dos seus investimentos para isso entre 2010 e 2018, além de não ter planos para reduzir a exploração de petróleo e gás até 2030 (ClientEarth, 2021).

Por fim, há a Vale, que ocupa a terceira posição no ranking das empresas que mais praticam greenwashing. Seus anúncios frequentemente trazem o CEO Gustavo Pimenta como porta-voz de uma suposta “mineração sustentável”, reforçando um dicurso de compromisso com a “transição energética”, o que soa contraditório diante de seu histórico de crimes ambientais. Entre os mais graves, está o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em 2019, que resultou em 272 mortes e danos irreversíveis ao meio ambiente.

 A Vale já foi processada pelo Ministério Público Federal por contaminação de comunidades indígenas e suas dívidas com a União e o estado do Pará ultrapassam R$ 44 bilhões, ainda assim, aposta em ações de marketing para reconstruir sua imagem.

Com a COP30 batendo à porta, o grande espetáculo ambiental e midiático está prestes a começar e a Vale já se posiciona como uma de suas patrocinadoras oficiais. Recentemente, promoveu o Festival Amazônia Para Sempre, em Belém, com um line-up de estrelas como Fafá de Belém, Ivete Sangalo e Mariah Carey, sob o discurso de “proteção da floresta Amazônica e dos povos que nela habitam”.

Entretanto, por trás da estética verde e dos holofotes, há uma contradição gritante: a mesma empresa que destrói ecossistemas tenta agora vender uma imagem de guardiã da floresta.

Se o LinkedIn, as redes sociais e as propagandas em rede nacional já servem como palco para a disseminação do greenwashing, a COP30 será um exuberante palanque,  onde empresas poluidoras se apresentam como defensoras do planeta, escondendo, sob o manto verde da sustentabilidade, os mesmos interesses que alimentam a crise ambiental.

Para ler o estudo feito pela NetLab, acesse o site da Agência Pública:
https://apublica.org/podcast/2025/10/bom-dia-fim-do-mundo/greenwashing-quem-deve-mais-paga-menos/

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