As manifestações contra a PEC da Blindagem mostraram como as redes sociais deixaram de ser apenas espaço de opinião para se tornarem instrumentos de pressão política, mobilização popular e pedagógica prática democrática
Por Heloisa Benicio
As redes sociais deixaram de ser apenas espaços de interação para se consolidarem como arenas centrais do debate político e social. O poder da mídia digital se mostra cada vez mais evidente ao amplificar opiniões, moldar narrativas e mobilizar cidadãos. Postagens, vídeos e hashtags transformam-se em instrumentos de pressão sobre parlamentares, decisões institucionais e a própria opinião pública. O embate em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) autodenominada das Prerrogativas - mas que ganhou apelidos sugestivos: PEC da Blindagem e por fim PEC da Bandidagem - é um exemplo claro desse processo.
Aprovada pela Câmara dos Deputados em 16 de setembro de 2025, a proposta alterava as regras para abertura de processos criminais e prisões contra parlamentares. O texto-base tinha como objetivo alterar as regras e dificultar prisões em flagrante, prevendo que a continuidade de ações judiciais contra deputados e senadores fosse decidida pelo próprio Congresso, em votação secreta. Desde a votação, a medida provocou forte reação social e expôs o poder das redes como espaço de resistência política.
Enquanto veículos de imprensa se concentraram em análises jurídicas e na repercussão institucional, nas plataformas digitais o debate ganhou contornos mais populares. Expressões como “PEC da Bandidagem” rapidamente se tornaram trending topics, traduzindo em linguagem simples o sentimento de repúdio. A rejeição viralizou em campanhas digitais criadas por influenciadores e celebridades, que buscaram explicar de forma didática os impactos da proposta.
Mesmo com a polarização política intensa que observamos ao longo dos últimos anos, as mobilizações sobre a PEC traçaram um caminho alternativo.. Mais que uma disputa entre direita e esquerda, o movimento atingiu uma camada ampla e apartidária e se configurou em uma luta nacional contra um “Congresso Inimigo do Povo”, um apelo em nome da democracia.
O papel dos influenciadores foi central nesse movimento. Utilizando ferramentas como vídeos curtos no Instagram e no TikTok, eles simplificaram o conteúdo jurídico, ampliaram o alcance das informações e estimularam a participação popular. O fenômeno chamou atenção por não se restringir a vozes já engajadas em debates políticos: figuras públicas que tradicionalmente se mantinham afastadas da política usaram suas plataformas para se posicionar contra a medida, reforçando a ideia de que a vigilância democrática é um dever.
As mobilizações dessas figuras públicas ultrapassaram o espaço virtual. Artistas consagrados como Djavan, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque participaram de manifestações presenciais, reforçando a legitimidade do movimento e evocando a memória histórica da resistência cultural durante a ditadura militar. A volta dessas figuras à linha de frente dos protestos deu ao movimento um peso simbólico adicional, unindo gerações em torno da defesa da democracia.
Esse episódio revela que a mídia contemporânea já não atua apenas como mediadora, mas também como protagonista. As redes sociais se consolidaram como canais estratégicos de informação, sensibilização e mobilização política. Nesse ambiente, cidadãos não são mais espectadores passivos, são atores capazes de questionar, interpretar e pressionar diretamente o sistema político. O que nasce em posts, vídeos e hashtags pode, em poucos dias, se transformar em força política real, capaz de influenciar votações no Congresso e expor a fragilidade de projetos que não encontram respaldo popular.
O desafio diante desse cenário é bastante complexo. Primeiramente, a força das mobilizações a que assistimos indica que a sociedade civil está atenta aos movimentos da política institucional. Mais do que a “tradução” para linguagem acessível, das massas, de temas complexos e de difícil compreensão, o maior desafio é encontrar uma pauta que “fure bolhas” e encontre ressonância ampla em diversos segmentos sociais.
O outro desafio talvez tenha como resposta o primeiro deles: como evitar que os interesses das corporações estrangeiras privadas (as big tech) utilizem a manipulação de seus algoritmos para colonizar e tomar de assalto a agenda e o debate públicos? Apenas uma mobilização social ainda maior do que aquela que se viu na PEC da Blindagem poderá ser capaz de forçar a política institucional a proteger a democracia do poder das empresas que não se furtam a canalizar os princípios da democracia para seus próprios interesses.